Lembrai-vos da FEB e respeitai os Pracinhas
“Até o italiano, defendendo um país montanhoso, é muito difícil de expulsar, e o alemão é um problema real. A luta na Tunísia parece oferecer uma boa indicação do que podemos esperar quando encontramos o alemão em posições defensivas (---) onde o terreno é favorável a ele” (carta do general Eisenhower ao general Marshall). “An Army At Dawn”- Rick Atkinson.
Por Luiz Eduardo da Rocha Paiva
Recentemente o jornal O Globo publicou artigo de Sylvio Back em que o articulista tenta denegrir a História heroica da FEB e dos nossos Pracinhas. É difícil escrever sobre o que não se entende e, o mínimo a fazer é buscar dados produzidos por distintas fontes, inclusive as produzidas pela que serve de tema de um determinado trabalho. A seguir vai um artigo a respeito da FEB, produzido por quem tem alguma vivência no assunto.
Há neófitos e palpiteiros em assuntos militares que costumam falar sobre a Força Expedicionária Brasileira (FEB) sem contextualizá-la ao cenário político-militar nacional e internacional da II Guerra Mundial e sem conhecer História Militar, tática e operações militares. Assim, emitem opiniões sem competência para fazê-lo ou, em alguns casos, de maneira capciosa e com outros propósitos.
Em 1940, o Brasil não estava preparado para uma guerra, mas lavar a honra da Pátria, após os torpedeamentos de navios mercantes nacionais por submarinos do Eixo nazifascista pedia mais que apenas ceder bases aeronavais aos aliados. Foram cerca de 2500 irmãos vitimados fatalmente por esses ataques de submarinos. O País não tinha indústria para produzir os meios bélicos necessários, a massa da população não possuía as condições de saúde exigidas pelos aliados para enfrentar os rigores do front europeu e o Exército teria de migrar da ultrapassada doutrina francesa para a norte-americana, em apenas um ano, pois a FEB seria enquadrada em um Corpo de Exército dos EUA.
Os EUA entregaram o equipamento e o armamento só na Itália, já que havia dúvidas se o Brasil mandaria tropas ao front. Portanto, a FEB entrou em combate com preparação incompleta, além de substituir duas divisões aliadas veteranas, ocupando uma grande frente de 15 km, onde teria de defender e atacar. A FEB combateria em terreno montanhoso, favorável ao defensor, que pode conter forças superiores empregando efetivos reduzidos, máxime sendo um exército aguerrido, considerado o mais profissional do mundo, bem equipado para o tipo de terreno e contando com forças recém organizadas com veteranos da frente russa.
Aqueles neófitos ou palpiteiros sabem o que isso significa? Sabem o que é um batismo de fogo e o tempo necessário para um exército de recrutas se tornar uma força eficaz?
O Exército britânico em Dunquerque (1940) e o russo na Finlândia e no leste da Rússia (1940 e 1941) são exemplos de insucessos de forças inexperientes que, após acumularem meses de combate, demonstraram estar à altura das tradições militares de seus povos. O emprego de tropas inexperientes do Exército dos EUA na Tunísia (1943) resultou em significativas derrotas impostas pelo veterano Áfrika Korps de Rommel no início da Batalha de Passo Kasserine. A propósito, o relatado por AMBROSE[1] (pag. 166 e 169) deixa isso bem claro:
“A Batalha de Passo Kasserine envolveu veteranos [alemães] e novatos [norte-americanos] --- o verdadeiro problema, antes e durante a batalha, era se os americanos impediriam que uma derrota tática se transformasse em um desastre estratégico. E isso eles conseguiram. O problema depois da batalha era se eles aprenderiam com os seus erros [-] não receberam treinamento intensivo nos EUA --- levou meses para que recebessem seu equipamento e, então, o treinamento na Inglaterra ficou difícil --- Os oficiais e soldados mostraram essa falta de adestramento” (traduzido por este autor).
No início da Guerra da Coreia em 1951, o Exército dos EUA entrou no conflito com soldados convocados, ao contrário dos Marines, que empregavam soldados profissionais. O Exército da Coreia do Norte recentemente participara da Revolução Chinesa, combatendo ao lado de Mao Tse Tung. O resultado nos primeiros combates foi o mesmo de Passo Kasserine, exceto com os Marines que, embora sofressem reveses importantes, demonstraram disciplina de combate, equilíbrio emocional e preparo profissional.
É essa História Militar que explica os reveses da FEB nos primeiros meses no front, ao entrar em choque com as fortes posições alemãs na cadeia dos Montes Apeninos, defendida por um inimigo experiente, aguerrido, com efetivo suficiente e bem equipado. O fracasso da ofensiva anglo-americana contra Bolonha indicava a necessidade de uma parada tática e o início do inverno aconselhava esperar o fim da estação para retomar operações de movimento.
O comando aliado avaliou mal o valor defensivo do terreno, o poder de combate para derrotar o inimigo e os efeitos das condições climáticas. O General Mascarenhas de Morais alertava que o efetivo dos quatro ataques a Monte Castelo, em novembro e dezembro de 1944, era insuficiente, fato agravado quando um contra-ataque alemão desalojou a tropa americana que protegeria nosso flanco esquerdo.
Esses reveses, os dois primeiros sob o comando norte-americano, também se deveram à nossa inexperiência e preparação incompleta, deficiências superadas em dezembro de 1944 e janeiro de 1945, nos confrontos entre pequenas frações no front e não em campos de instrução à retaguarda. Atacar, recuar em ordem e permanecer no front sem ser substituída foi um mérito da FEB.
Há quem deprecie as vitórias da FEB por não terem sido decisivas na derrota do Eixo. Ora, ela era apenas uma das 99 divisões de combate aliadas na Europa e em um TO secundário. As suas vitórias foram compatíveis com uma divisão de Infantaria a pé (sem blindados), sendo importantes para o IV Corpo de Exército do Exército dos EUA ao qual pertencia.
A FEB, como qualquer divisão, era do nível tático e não estratégico. O louvável foi que o Brasil de 1943 mobilizou 25 mil combatentes, em um ano, para enfrentar a poderosa, famosa e respeitada Wehrmacht. Hoje, o preparo de uma força de paz de mil militares para o Haiti leva seis meses e a ameaça é de gangues armadas só de fuzil.
Nos difíceis Montes Apeninos se desenvolveu a grande batalha da FEB. Batalhas duram semanas ou meses e são uma sucessão de combates com avanços, paradas temporárias e recuos. Monte Castelo, um dos pontos fortes no limite avançado da Linha Gótica, foi um dos duros combates para rompê-la. Diferente de outros exércitos, com inúmeras divisões e generais, a FEB era uma só divisão e tinha apenas quatro generais.
Por isso, a essência de sua história teria de ser o combate das pequenas frações, companhias e batalhões. Soldados, cabos, sargentos, tenentes, capitães e comandantes de unidades venceram o maior desafio do guerreiro – enfrentar o fogo inimigo com equilíbrio emocional, competência e coragem.
É preciso conhecer doutrina, tática e história militar para avaliar a FEB sem cair na servidão intelectual de aceitar, sem questionar, opiniões de fontes de metrópoles culturais. As do lado aliado dissimulam erros de seus comandos e, as do lado ariano, omitir os feitos de forças mestiças nos reveses sofridos. Ambas, algumas vezes, são preconceituosas, daí ser fundamental considerar, também, o que dizem os nossos relatórios para tirar conclusões.
A FEB permaneceu ininterruptamente 239 dias em combate. Das divisões dos EUA que combateram no norte da África e na Europa entre novembro de 1943 e maio de 1945, apenas doze estiveram ininterruptamente mais dias no front em combate. Amor à Pátria, sentimento do dever e camaradagem, forjados em riscos comuns uniram os pracinhas, impondo-se às diferenças e preconceitos de cor, credo, classe social e ideologia.
Neófitos e palpiteiros deveriam ser mais patriotas, responsáveis e cuidadosos ao emitirem suas opiniões, pelo menos em respeito a brasileiros e brasileiras – Pracinhas – que arriscaram ou deram a vida pela honra da Pátria, algo que eles nunca fizeram.
Nota: [1] AMBROSE, Stephen E. The Supreme Comander: The war years of Dwight D. Eisenhower.
Luiz Eduardo Rocha Paiva é General de Brigada na reserva.
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