segunda-feira, 28 de setembro de 2015

CPIs, pessoas, direitos... E direitos

CPIs, pessoas, direitos... E direitos

25/09/2015 às 16:04
  • Manifestantes na AL/MS
  • Deputada Mara Caseiro
  • Advogado do CIMI sendo agredido
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Já me manifestei, e sem deixar dúvidas, sobre a desnecessidade e a inutilidade de uma CPI como a que propôs a deputada Mara Caseiro (PTdoB)Deputada Mara Caseiro para, segundo o argumento, apurar a participação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) nos processos de ocupação – que no vocabulário dominial do latifúndio é “invasão” – de terras pelos índios. Opinião que não retiro, até prova em contrário: esta CPI nasce com a intenção dirigida de concluir que existe, de fato, influência de terceiros na manipulação e no financiamento das incursões de nativos para abrir cercas e porteiras de áreas que, mesmo reconhecidas como de propriedade indígena, hoje estão sob propriedade de brancos. 
Os proprietários rurais também precisam – e têm direito inconteste – de cobrar segurança jurídica do Estado. Refiro-me aos legítimos produtores, aos verdadeiros proprietários rurais cujas propriedades não foram incorporadas por mecanismos suspeitos de legalização. São fartos os exemplos do esbulho de terras indígenas ao longo destes cinco séculos, desde a chegada dos portugueses e, especialmente, dos bandeirantes (medievais e contemporâneos). 
Os livros de História do Brasil nos meus dias de primário não me ensinaram que terras indígenas foram brutalmente confiscadas por quem chegou depois deles para plantar a “civilização”. E não aprendi, lá no primário e nem no ginasial, que esse confisco criminoso deu-se na esteira de atrocidades inimagináveis, que incluíam a submissão à força de índias como escravas sexuais e de índios como escravos laborais. Adonavam-se das terras com limites postos até onde seus olhos alcançavam e nelas fincavam suas cercas, embora tais fronteiras não represassem a desmedida ambição patrimonial que virou dote hereditário, assim como os cartórios e os títulos de nobreza. 
O CERTO - Há leis e as leis são para ser cumpridas. Mas há leis e leis. E há, acima de tudo, direitos, deveres e, sobretudo, há o que é certo. O que é certo é não criminalizar o índio e nem o Cimi. O que é certo é não fazer de todo proprietário rural um ladrão de terras ou um especulador imobiliário. 
A Igreja é uma só - ou Cristo não seria universalista na opção pelos excluídos. Dito isso, e repetindo que estar ao lado do índio não exclui o direito verdadeiro e legítimo do verdadeiro e legítimo proprietário rural, reconheço a plenitude do direito e da autoridade da deputada Mara Caseiro de requerer a tal CPI do Cimi. Ela está socorrida por todos os regulamentos possíveis: a Constituição Federal e Estadual e o Regimento Interno da Assembleia Legislativa. 
Ainda que eu divirja da iniciativa de uma parlamentar que é proprietária rural, que é uma militante da causa ruralista, que tem como um de seus apanágios sociais e conceituais a defesa da propriedade privada, não temo afirmar que ela usa as armas que possui para defender aquilo que considera seus direitos. A CPI – espera-se -, ainda que supostamente pré-dirigida, não pode ser o gatilho de uma arma como as que ceifaram as vidas de Marçal de Souza, Verón, Durvalino, Oziel, Nízio, Semião e outros mil cento e tantos índios assassinados nos últimos 13 anos em chão sulmatogrossense – sem contar os 707 casos de suicídio entre os anos 2000 e 2014, a maioria pela angústia de viver sem perspectivas, vulnerável aos assédios urbanos do álcool, das drogas, da prostituição e desfigurada em suas referências étnico-culturais. 
AGRESSÕES - Não se justificam os fatos lamentáveis e repugnantes de quinta-feira, 24, quando um advogado do Cimi sofreu agressões da segurança da Assembleia. Entenda-se que o segurança, um empregado, zeloso de sua obrigação de obedecer sem questionar, cumpria ordens. Advogado do CIMI sendo agredido 
Porém, igualmente, não se justificam respostas no mesmo baixo tom como as que foram dirigidas à deputada Mara Caseiro por manifestantes da causa pró-indígena. Foram acusações pesadas, grosseiras que, se tiverem embasamento, deveriam ser formuladas ao Ministério Publico ou autoridades pertinentes. O chumbo trocado atingiu, ao mesmo tempo, o advogado Rogério Batalha e a deputada Mara Caseiro. 
Urge encontrar um caminho eficiente para frear o pensamento dominante no nicho mais atrasado do latifundiarismo. Esse tipo de refrega, o do duelismo, é exatamente o campo onde atuam todas as forças – especialmente as econômicas, políticas e midiáticas – que de um jeito e de outro vão impedindo e transferindo "sine die" a posse definitiva das terras já reconhecidas oficialmente como áreas indígenas, incluídas as da região de fronteira no Cone Sul. É este o objetivo maior. 
PAPEL DA AL - Que a CPI do Cimi siga seu curso e os mandatos progressistas participem, não se excluam de suas obrigações, não permitam que o parecer do colegiado seja construído sob uma única ótica, a que criminaliza o excluído. E que a Assembleia se reveja e se repense como poder legítimo que precisa de credibilidade. Porque não a CPI do Genocídio?Manifestantes na AL/MS Ora, investigar o Cimi impõe também investigar as circunstâncias e descobrir o véu das responsabilidades pela matança e pelos flagelos que vêm desabando sobre os povos indígenas de Mato Grosso do Sul. Se não tratar a questão com única balança, de um só peso e uma só medida, o Parlamento terá perdido sua isonomia, descerá à vala comum da mediocridade ideológica e se desnudará, minúsculo, no opróbrio. 
Passou da hora de riscar da oralidade ardilosa a expressão “classe produtora”. Como se apenas quem planta grão e quem cria gado é produtor. O índio é produtor. Não é o preguiçoso descrito na tinta do preconceito. Porque o índio produz cultura, produz vivência, produz sabedoria, produz arte e produz instinto, o mais legítimo e ancestral, de brasilidade. 
E somos produtores urbanos e rurais de nossos diversos afazeres e quereres, com a perspectiva da edificação de uma sociedade em que direitos fundamentais não sejam renegados. Cabem nesta sociedade a deputada-fazendeira Mara, o segurança Emílio e o advogado Batalha; os guarany-kaiowá, terenas, kadiwéus, guatós, ofayés (que restam) e kniknaws; os furnistas do Dionísio; os avicultores de olhinhos apertados da Colônia Jamic; as palestinas de hijabs...e todos quanto queiram viver em tamanhos justos e lindeiros nas partes que lhes cabem neste latifúndio cósmico. 
Edson Moraes

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