Carta aberta à FHC
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Rodrigo Constantino
Caro ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
Fico sabendo, pela Folha, que antes Lula e agora Dilma estariam dispostos a “conversar” com o senhor sobre o impeachment, ou seja, traduzindo para os leigos: eles teriam interesse em algum tipo de “acordão” para evitar um eventual processo de impedimento da presidente. O senhor já aproveitou seu espaço nos jornais para transmitir a mensagem de que considera o impeachment um último recurso muito traumático para a democracia, e que não enxerga, ainda, motivos para seguir nessa linha. Suas colocações atiçaram as esperanças dos líderes petistas de um pacto com o PSDB.
“Em todos os países democráticos é natural que ex-presidentes conversem e, muitas vezes, que sejam chamados pelos presidentes em exercício. Essa é uma prática comum nos Estados Unidos, por exemplo”, afirmou o ministro Edinho Silva, chefe da Secretaria de Comunicação Social do Palácio do Planalto. “Vejo com bons olhos a possibilidade de diálogo entre Fernando Henrique e Lula, como vejo com naturalidade que o mesmo aconteça com a presidenta”, concluiu. Mas nós, brasileiros indignados, aqueles quase 70% que rejeitam o governo Dilma, não vemos com bons olhos essa aproximação.
Serei franco na largada, caro FH: tenho sentimentos ambíguos em relação à sua pessoa. Do seu passado mais distante, como intelectual, nem preciso dizer que tenho aversão. Mas acho que até você já andou reconhecendo que deveríamos esquecer muito do que escrevera naqueles tempos, não é mesmo? Teoria da Dependência? Quanta baboseira terceiromundista! Coisa de um Marco Aurélio Garcia da vida. Depois o senhor evoluiu, virou um social-democrata mais esclarecido, mas ainda estava lá o ranço de socialista fabiano, que nunca o abandonou por completo.
Já como ex-presidente tenho coisas boas e ruins a falar. Menos por convicção ideológica e mais por necessidade, o fato é que importantes reformas foram feitas durante o seu governo. Privatizações importantes ocorreram, a Lei de Responsabilidade Fiscal passou, o Plano Real venceu a hiperinflação e o Banco Central teve autonomia para perseguir a meta de inflação. O câmbio passou a flutuar, após nossas reservas se esvaírem quase completamente. Ou seja, o senhor teve algum mérito na criação do “tripé macroeconômico”.
Por outro lado, e por conta daquele ranço socialista, várias medidas “sociais” tiveram começo no seu governo. Cotas raciais, por exemplo, um absurdo que segrega a população brasileira com base na cor. As bolsas-esmolas, que o PT unificou e transformou no maior esquema de compra de votos já visto na República. O MST, que continuou recebendo verbas públicas para desrespeitar as leis com suas invasões inaceitáveis. Enfim, o senhor foi um legítimo presidente de esquerda, apesar de ser “acusado” de “neoliberal” pela esquerda mais jurássica e pérfida.
E essa esquerda é justamente o PT. Como o PT o demonizou, presidente! Fez sua caveira perante a opinião pública, com o conluio dos “jornalistas” da esquerda radical. Devido ao fato de os tucanos serem um tanto pusilânimes e também não terem convicção liberal alguma, não souberam defender o seu legado. Teve que vir um liberal como eu para escrever Privatize Já, livro em que mostro como as suas privatizações fizeram bem ao país. Os tucanos ficavam na defensiva, tentando se desvencilhar da pecha de “privatistas” ou “neoliberais”. Veja só que coisa, presidente!
Sua postura, tomo a liberdade de dizer, fez muito mal ao país, em termos pedagógicos. Os leigos não compreenderam a relevância das reformas de cunho liberal feitas em sua gestão, e ainda ficaram com a nítida impressão de que direita significa PSDB, o que eu e você sabemos ser ridículo. O senhor se identifica mais com Thatcher ou Tony Blair? Com Reagan ou Clinton? Nós sabemos a resposta, mas muitos, influenciados pelo PT, não. E eis que direita, no Brasil, passou a ser associada aos tucanos de esquerda.
Mas como “oposição” a uma outra esquerda, bem mais radical e que não joga nas regras do jogo, o senhor tem uma responsabilidade, um dever moral para com o Brasil. Muitos já atribuem ao seu esforço a tática tucana de não pressionar pelo impeachment de Lula durante o mensalão. Não sei até que ponto isso é verdade, mas veja, presidente, o mal que isso fez ao Brasil. Imagine se Lula tivesse sido exposto naquele ano de 2005: como as coisas estariam melhores hoje! Mas o PSDB optou pela estratégia de “deixar o homem sangrar”. Bem, como Jason, do Sexta-Freira 13, o populista-mor ressuscitou e ainda emplacou depois sua criatura por duas vezes, contra os seus companheiros tucanos.
Deixe-me lhe dizer uma coisa, presidente: traumático para a nossa democracia não é o impeachament, mas a manutenção do PT no poder! Entenda isso de uma vez por todas. Sei que, apesar de tudo que o PT já fez com o senhor, você ainda tem, lá no fundo, uma admiração pela trajetória do metalúrgico, do sindicalista oportunista. O senhor enxerga com bons olhos essa trajetória, pois tem alma de esquerdista, e ainda valoriza mais a classe do que o mérito individual. Lula veio de baixo, é verdade, mas como chegou no topo? De forma honesta, legítima? Ou como um populista safado?
Não vem mais ao caso. O fato é que milhões de brasileiros já sabem que Lula é um oportunista, um populista autoritário, e que seu PT precisa ser colocado para fora do governo o mais rápido possível, se desejamos preservar nossa democracia. Os brasileiros estão revoltados, presidente.
Cansados demais. Inclusive da postura acovardada de muitos tucanos. Por que o senhor acha que Jair Bolsonaro teve 5% de intenções de voto para presidente na recente pesquisa da CNT, que mostrou apoio de somente 7,7% à Dilma? Por que o senhor acha que Aécio Neves só teve chances mesmo quando começou a subir o tom, a enfrentar o PT com mais determinação, a apontar para seu relacionamento obscuro com Cuba?
Sei que seu partido está rachado, que há uma ala mais jovem que quer partir para o enfrentamento, para a briga, e que uma ala mais velha pretende manter a “cautela”, o “diálogo”. Mas presidente, dá para dialogar com o PT? É possível “conversar” com gente do Foro de São Paulo, que apóia o Maduro na Venezuela? Dá para trocar ideias com quem apela para os golpes mais baixos nas campanhas? O PT cospe diariamente nos tucanos, e os tucanos vão se curvar diante dos petistas agora, justo quando a população está de saco cheio do partido, inclusive do ex-presidente Lula?
Seria uma decisão mortal para o PSDB, presidente. Seria o atestado de óbito do partido, que nunca soube bem como ser oposição ao PT. Se o PSDB afrouxar agora, se os tucanos permitirem uma aproximação com Lula e Dilma em prol da “governabilidade” até 2018, tirando o impeachment do caminho, ninguém mais levará o PSDB a sério. Se é para ser essa esquerda podre, já tem o PT. E se é para ser oposição a essa esquerda podre, agindo assim, o PSDB não terá utilidade, e Bolsonaro ou Ronaldo Caiado vão absorver sozinhos toda a revolta popular.
O Brasil precisa, urgentemente, de um partido realmente liberal e outro realmente conservador, de direita. Claro que o PSDB não tem nada com isso, pois é, como já disse, de esquerda, social-democrata. Mas numa democracia madura, há um espaço legítimo para tal esquerda. Que o PSDB ocupe tal espaço, e não os golpistas do PT, é o que as pessoas decentes e esclarecidas esperam. Mas, para tanto, o PSDB terá de agir com firmeza contra a outra esquerda, a carnívora, a jurássica, representada pelo PT e seus auxiliares, como o PSOL.
Recusar de forma peremptória qualquer aproximação ou acordo nesse momento com os golpistas do PT é condição sine qua non para preservar o PSDB no papel de ícone da esquerda democrática brasileira. Se os tucanos não compreenderem o momento em que o Brasil vive e acenarem com um acordo para impedir o impedimento de Dilma, então terá o mesmo destino do próprio PT: a extinção. E terei prazer, se isso acontecer, em ser um dos que jogarão a pá de cal. Mas tenho esperanças de que isso não será necessário. Conto com sua sabedoria, presidente!
Rodrigo Constantino, Economista, é Presidente do Instituto Liberal. Originalmente publicado no blog do autor na Veja em 24 de julho de 2015.
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