quarta-feira, 29 de julho de 2015

Análise da entrevista do presidente da GM

Análise da entrevista do presidente da GM


Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Mtnos Calil

Em entrevista concedida ao Estadão, dias atrás, "Aclasse C, consumidora de carros, saiu do mercado", o Presidente da General Motors deu a entender que estaríamos atravessando no Brasil apenas mais uma crise cíclica. Assim, à semelhança de crises anteriores, o Brasil voltaria a crescer daqui a algum tempo e talvez a partir de 2016.

As declarações do entrevistado confirmam a nossa visão sobre os dois Brasis:

· O Brasil 1 das classes média e rica que dão sustentação ao mercado das grandes empresas multinacionais e a alguns setores da economia local como o financeiro, o imobiliário e o agrícola.

· O Brasil 2 das classes pobres que dão sustentação ao processo de degradação social marcado pela violência generalizada e pelo poder paralelo do crime organizado.

Nesta entrevista, tanto o Estadão, como o executivo da GM ignoram, é claro, a existência do Brasil 2. Para eles, esse segundo Brasil é um grande incômodo que deve ser completamente desconsiderado numa entrevista que aborda  a crise que afeta o mercado automobilístico e que gerou uma queda superior a  30% na receita da empresa dirigida pelo entrevistado. 

Uma parcela do Brasil 2, da classe “C”, durante dez anos, graças à política assistencialista de Lula, a qual, favorecida  pelo boom das commodities, conseguiu passar do Brasil 2 para o 1, comprando automóveis e garantindo um crescimento contínuo das vendas deste produto, considerado vital para a nossa economia.

O assistencialismo lulista serviu assim para manter o PT no poder, gerando a criação de uma  nova e suposta classe média emergente.

Mas não foi apenas Lula que se enganou ao não perceber que este crescimento se tratava apenas de um ciclo alimentado artificialmente. Outras indústrias automobilísticas se sentiram estimuladas para montar suas fábricas por aqui, o que revela que tanto os políticos como os empresários não operam com base em  planejamento estratégico de longo prazo, o que aliás é uma carência de toda a humanidade.

Diz o sr. Jaime Ardila “com humildade” que a empresa por ele dirigida, a GM, não cometeu o mesmo erro de suas concorrentes que aumentaram indevidamente seus investimentos no Brasil, superestimando o potencial do mercado. Mas na crise “cíclica” de 2008 a GM só não faliu nos EUA porque foi socorrida pelo Governo americano. Quer dizer então que a GM do Brasil é melhor gerenciada que a matriz?

Fantasias gerenciais à parte, o fato é que, como o próprio Ardila admite, o Brasil é um mercado “fundamental”, sendo um dos maiores  do mundo e que vai “crescer de novo”.

Como se nota. para ser presidente de uma multinacional não é preciso ter uma visão estratégica global. Quer dizer então que a globalização em curso está dispensando uma “visão global”?  Sim porque essa globalização, como outras já ocorridas no passado, quando por exemplo,  a América e o Brasil foram descobertos, não são produto de um planejamento e sim de um desenvolvimento autopoiético, ou seja, que se estabelece de dentro para fora, que se auto-produz.

O que interessa agora para a GM são  apenas são as vendas de curto prazo e o que vai acontecer com a economia no Brasil no prazo máximo de 10 anos. Porém esse pensamento imediatista do Presidente da GM é, a grosso modo, o mesmo dos governantes do Brasil, que recorrem aos modelos dos “ajustes fiscais” combinados com a elevação da taxa de juros para controlar a inflação, que parece já não se abalar muito com essa medida que faz a festa dos banqueiros.

Como o país não tem dinheiro para investir nem em áreas fundamentais como educação e saúde – mas reserva cerca de metade do orçamento federal para pagar a divida pública -, vamos continuar dependendo dos humores e interesses do capital estrangeiro para tentar evitar que o Brasil 2 desestabilize de uma forma indesejável o Brasil 1. Mas os dois Brasis já não estão suficientemente desestabilizados?

O Brasil 2 já não chegou no fundo do poço? Não, infelizmente ainda não chegou, pois este Brasil 2 é também “fundamental” para o crime organizado e para o crime desorganizado que estão institucionalizados e que também vão continuar crescendo. O crime deixou de ser uma mera transgressão das leis estabelecidas e passou a vigorar como um mercado, com suas leis próprias.

Neste ambiente de esquizofrenia social, econômica e política, ocorre, por exemplo, de as vendas de carros de luxo, ESTAREM CRESCENDO HOJE.  Trata-se não de um indicador isolado mas de um sinal que o Brasil 1 continuará de pé, mesmo que a classe média tenha que temporariamente comprar carros novos mais populares, enquanto o Brasil 2 vai continuar descendo a ladeira, ou talvez, permaneça no mesmo degrau movediço onde se encontra hoje.

O único grande problema dos automobilistas da classe média  é não terem certeza de que voltarão vivos para casa. Porém, aqui também a lei das probabilidades serve de consolo, pois a porcentagem de automobilistas assaltados e assassinados é ínfima em comparação com o universo de proprietários de automóveis. Isso explica porque as pessoas continuam retirando dinheiro pessoalmente dos caixas eletrônicos.

E quanto aos trabalhadores que são transportados como autênticas sardinhas em latas nos ônibus e trens? Eles contam com um elemento altamente estratégico da sobrevivência que é a RESIGNAÇÃO. Por centenas de anos boa parte da humanidade viveu sob o regime da escravidão e hoje a população do Brasil 2 pode viver pacificamente sob um novo regime de escravidão pós-moderna que lhe fornece atrativos muito interessantes como o celular e a televisão, que fariam a festa dos escravos da Grécia antiga que só conseguiu mesmo nos deixar como legado as “filosofias” de Sócrates, Platão e Aristóteles, para citar os mais famosos. (Sócrates merece maior consideração que seu colegas porque não era resignado preferindo morrer do que abrir mão de seus ideais – porém, obviamente é uma rara exceção entre os humanos que em geral fazem qualquer negócio para continuarem vivos). 

Morto o comunismo, só resta à humanidade civilizar o capitalismo. Isso não é possível? Então salve-se quem puder.

Ps. Que me perdoem os amigos, mas nesta altura da vida, vou continuar, egoisticamente, preservando o bom humor, já que a consciência social não exige a sua extinção. Assim a contradição básica do ser humano se manifesta, integrando a solidariedade com o individualismo.


Mtnos Calil, Psicanalista, é Coordenador do Grupo Mãos Limpas Brasil.

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