terça-feira, 28 de julho de 2015

Ação Popular (AP) - Parte 2

Ação Popular (AP) - Parte 2


Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S. Azambuja

Do CT de 1965 ao CTN de 1967 – A luta interna

Para o Congresso de 1965 foram realizadas diversas reuniões preparatórias, na tentativa de solucionar as contradições que a nova direção política do país criou dentro da AP e demais organizações de esquerda, sendo aprovadas as “Teses Políticas” e uma nova organização na Ação Popular.

As “Teses Políticas” eram esboços de documentos a serem aprovados em um futuro Congresso Nacional da Organização. Constavam de uma parte introdutória, na qual era analisada a situação política internacional, concluindo pela inevitabilidade de um conflito entre o capitalismo e o socialismo, e outro conflito entre o capitalismo, em sua fase monopolista, imperialista, e os países subdesenvolvidos. No segundo conflito mencionado se inseria o Brasil. Condicionadas por tais características é que eram encaradas e se analisavam as relações sociais internas do Brasil.

Analisando a sociedade brasileira, o documento da AP vislumbrava em nosso país três modos de produção distintos:

- modo de produção feudal;

- modo de produção “capitalista atrasado”;

- modo de produção “capitalista avançado” (monopolista).

Em decorrência dessa análise a AP definia como inimigos principais do povo brasileiro:

- os latifundiários;

- a burguesia (em particular aquela aliada ao imperialismo);

- setores da pequena-burguesia atrelados à direção das “retrógadas e fossilizadas” classes acima mencionadas.

Outros setores eram também mencionados:

- o proletariado, “em flagrante delito amoroso com a burguesia” e, por isso mesmo, suspeito de ser traidor da “revolução brasileira”. Muito embora o proletariado fosse assim definido, a AP admitia a militância junto aos operários após um lento, tenaz e profundo trabalho de reeducação política da classe operária;

- os estudantes, camada facilmente radicalizável e com problemas de difícil solução, tais como o futuro profissional, deficiência das escolas, etc;

- os camponeses, demiurgos da “revolução brasileira”, considerados os papas práticos da luta revolucionária. A maioria ainda praticamente virgem, sob o ponto de vista político. Os camponeses mereciam toda a atenção da AP.

Desse conjunto de análises, as “Teses Políticas” concluíam que “o caráter da revolução brasileira era socialista de libertação nacional”. Todavia, as “Teses” não esclareciam qual a força dirigente da “revolução”; qual a força principal; qual o leque de alianças básicas e qual a força motriz da “revolução”.

Sem esclarecer nada disso mas sustentando, por exclusão, que “a revolução brasileira é antiimperialista e anti-feudal”, os luminares da AP chegaram à conclusão que a “revolução” só poderia ser mesmo “socialista de libertação nacional”, pois sem libertação não pode haver “revolução” que se preze e a libertação só seria conseguida, objetivamente, através da luta armada. Raciocínio brilhante...

Todavia, se o propósito da “revolução” era óbvio, não era tão claro o seu caminho, ou seja, a estratégia e a tática. Como estratégia é transcrito, quase que “ipsis-literis”, um longo trecho de autoria de Mao-Tsetung sobre as etapas da guerra na China e é feita uma grande confusão entre Mao, Che Guevara, Fidel e Regis Debray.

Essas “Teses” de tão incoerentes, lentamente provocaram uma desagregação na AP. Em 1966, grande parte de seus líderes já havia abandonado a Organização.

Todavia, o grupo foi reestruturado. Foi constituído um Comitê Nacional sob a direção de “Dias” (Aldo da Silva Arantes), “” (?) (seria José Barbosa, metalúrgico no ABC, com curso na China), “Wilson” (Herbert José de Souza) e “João” (Paulo Stuart Wright) e criadas 12 regiões onde foram constituídos Comitês Regionais que, por sua vez, implantaram Comitês Setoriais que reorganizariam e passariam a dirigir as bases.

Não havia critérios de militância explícitos, mas na realidade eles eram quatro: ser contra o governo; ser contra o PCB; aceitar a luta armada; ser católico ou protestante.

A prática política, por sua vez, deveria seguir cinco princípios estratégicos assim definidos: luta ideológica ativa; organização do partido e da massa; radicalização da luta institucional; preparação do dispositivo armado; política de frente com outros partidos e organizações da América Latina voltadas para a luta armada.

Em julho de 1966 foi realizada outra reunião do Comitê Nacional, denominada Reunião da Direção Nacional Ampliada, sendo elaborados então documentos sobre Política de Organização, Finanças e Plano de Trabalho Nacional.

O documento sobre Política de Organização era vago e ambíguo, pois faltava à AP, naquela época, um maior e mais profundo conhecimento da realidade brasileira para traçar uma política conseqüente. Por sua vez, a própria AP era uma espécie de confederação de pequenos grupos políticos ligados mais pela origem do que pelos fins que tinham em vista. Faltava base material para uma Política de Organização realmente conseqüente.

O documento sobre Finanças definia, como novidade, a sugestão da Organização voltar-se para as “expropriações”, a fim de “fazer caixa”, todavia sem qualquer plano ou orientação precisa para ser posta em prática.

No entanto, muito mais do que a luta armada foi a proposta do voto nulo nas eleições para os governos estaduais a serem realizadas em 1966, que logo contou com o apoio da POLOP, e que levou à desagregação acelerada da esquerda, especialmente do PCB, que se dividiu quanto a essa palavra de ordem.

Também nas bases da AP não foi tranqüila a aceitação da campanha pelo voto nulo. Alegava-se que existiam dois partidos, a ARENA e o MDB e não votar no MDB significava, na prática, um apoio à ARENA e ao governo. Todavia, em alguns lugares a soma dos votos nulos e brancos chegou a 40%.

Em 1967 deveria ser realizada outra reunião da Direção Nacional Ampliada. Em preparação a essa reunião foi realizada uma pesquisa na AP de Norte a Sul do Brasil, com a finalidade de identificar qual o nível de organização e luta e o nível político-ideológico da Organização, a fim de que, baseados nesses dados, ser planejada uma política que superasse os estrangulamentos da Organização.

A AP se intitulava “um projeto de Organização revolucionária” e era chegada a hora de identificar os problemas que impediam a transição do projeto para a realidade.
Na análise dos dados obtidos surgiu uma nova liderança na Organização: “
Costa” (Carlos Alberto Volkner de Castilho), vindo da França, onde fora dileto discípulo de Louis Althusser. “Costa” trazia novas idéias e fez, no Comitê Nacional, uma brilhante análise da pesquisa.

Por esse tempo tornava-se necessário recompor o Comitê Nacional que estava reduzido a apenas três elementos: “Dias” (Aldo da Silva Arantes), “João” (Paulo Stuart Wright) e “” (?) (vide dados acima), uma vez que “Wilson” (Herbert José de Souza) estava enfermo e não poderia fazer frente aos trabalhos em curto prazo.

”, por sua vez, deveria ausentar-se do país por cerca de seis meses, para receber treinamento na China. Na eleição então realizada foram eleitos para compor o CN: “Estevão” (Duarte do Lago Brasil Pacheco Pereira), que na realidade estava vinculado ao CN desde 1964, e “Costa” (Carlos Alberto Wolkner de Castilho).

A contribuição dessa reunião do Comitê Nacional para a história posterior da AP foi muito grande e talvez decisiva. Pelo menos duas das Resoluções aí aprovadas foram fundamentais para o avanço da Organização. Foram elas: a Resolução sobre a Radicalização da Luta Institucional (denominada DTI) e a resolução sobre a Organização Revolucionária.

A DTI introduziu, sem chocar, o marxismo numa organização ainda católica. A partir daí, as teses, resoluções e análises da AP passaram a ter, cada vez mais, um cunho científico calcado no marxismo. O choque, no entanto, só iria ocorrer cerca de um ano depois.

Na Resolução sobre a Radicalização da Luta Institucional a tática de rua era mantida; o MCD (Movimento Contra a Ditadura) era retirado da arena política e a grande novidade foi a idéia de deslocar os melhores militantes da AP para o trabalho operário e camponês, como forma de “integração na produção”.

A necessidade imprescindível da aliança operária e camponesa foi afirmada e a união da Organização com essas camadas e classes sociais foi considerada condição para o avanço do partido. Um exemplo de “integração na produção” foi narrado por “Betinho” que, impedido de trabalhar por questões de doença, foi mandado vender pipocas em frente a uma fábrica, no ABC paulista, a fim de tentar “ganhar” alguns operários para a Organização.

A Resolução sobre Organização Revolucionária, por sua vez, definia como condição indispensável para o sucesso da “revolução” a existência de uma organização revolucionária, insinuando que tal Organização não existia no Brasil e era urgente constituí-la.

Foi sensível a transformação da AP após essa reunião do Comitê Nacional. Foram deslocados quadros para várias regiões, muitos militantes foram profissionalizados – ou seja, passaram a ser funcionários da Organização – e o debate se generalizou.

Em 1967 foi realizado o Congresso da OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade), em Havana. A OLAS não passava de uma manobra de Fidel Castro para granjear apoio à luta de Che Guevara, iniciada na Bolívia. Seria um tipo de Secretaria Internacional de Apoio. O delegado da AP a esse Congresso foi “Rolando” (Vinicius José Nogueira Caldeira Brant), discípulo de Althusser, ex-presidente da UNE e, talvez, o mais matreiro dos militantes da AP.

Rolando” teve brilhante atuação no Congresso, tendo conseguido para a AP a representação do Brasil junto à OLAS, além de conseguir um programa para o Brasil na Rádio Havana que seria da responsabilidade da AP. Esse programa, no entanto, que não se conhecem os motivos, nunca foi levado adiante. Para representar o Brasil junto à OLAS a AP designou “Wilson” (Herbert José de Souza) que chegou a Cuba em fins de 1967 e lá ficou por cerca de um ano no desempenho desses afazeres.

No início de 1968, com a volta ao Brasil dos cinco militantes que haviam sido enviados à China para receber treinamento armado – quatro dos quais eram “Dias” (Aldo da Silva Arantes), “Estevão” (Duarte do Lago Brasil Pacheco Pereira), “Dorival” (Jair Ferreira de Sá) e “Raul” (José Renato Rabelo, atual presidente do PC do B), e o quinto, o “ (José Barbosa) – e a criação do Comitê Militar (CMi), ocorreu o maior processo de luta interna da história da AP, processo que modificaria inteiramente seus rumos. Nas palavras de Herbert José de Souza, esse grupo que recebeu treinamento na China “regressou ao Brasil transfigurado e logo depois transformaria a AP numa organização marxista-leninista-maoísta”. 

Sobre Jair Ferreira de Sá, diz “Betinho”: “Ele foi Jair e voltou o “camarada Dorival”. Totalmente possuído. Irreconhecível (...). Nessa época fui tachado de ponta de lança do neo-revisionismo contemporâneo. É um negócio que dá para pôr num quadro (...) Pra muita gente da direção da Ação Popular o Marighela era um cara de direita ... porque não era maoísta, e para o maoísta ou você é maoísta ou você é de direita” (“No Fio da Navalha”, Herbert José de Souza, editora Revan, 1996, páginas 84 e 87).

Um grande divisor de águas entre a AP reformista e a AP revolucionária ocorreu em 1968, quando foi alterada a tática de luta de rua, de boicote à “Lei Suplicy”, pela de luta contra o governo. Essa tática de luta de rua contra o governo era a expressão, na prática, do princípio estratégico de radicalização da luta institucional e inspirou o MCD (Movimento  Contra a Ditadura) que pretendia ser, sucessivamente, uma frente orgânica e um tipo de referencial a todas as lutas de massa, sejam reivindicatórias, sejam políticas.

O MCD provocou, entretanto, um amplo debate no seio da AP, que seria o esboço de uma oposição a esse Movimento, primeiro dentro da Organização e depois em outras Organizações e partidos de esquerda, principalmente PCB e POLOP (Política Operária). Malgrado essas divergências, a própria UNE, em uma reunião nacional realizada em Petrópolis/RJ, depois de muita discussão, apoiou o MCD. Ou melhor, adotou o MCD.

Convém assinalar, ainda nesse período de 1966-1968, a participação da AP na desintegração da União Internacional de Estudantes (UIE), entidade com sede na então Checoslováquia que era financiada pelo governo soviético. Em 1966, o militante “Marcio” (José Fidelis Augusto Sarno) foi para lá enviado com a missão de denunciar o “reformismo e a conciliação” daquela entidade com os “imperialistas”. A denúncia foi feita e há notícias de que 13 delegações se retiraram do Congresso, entre as quais a delegação da UNE, a chinesa, a cubana e uma delegação norte-americana. 

A partir daí tiveram início os entendimentos que na América Latina culminaram com a criação da OCLAE (Organização Continental Latino-Americana de Estudantes), em 11 de agosto de 1966, por Resolução do IV Congresso Latino-Americano de Estudantes, realizado em Cuba. A OCLAE existe até hoje e sempre teve sede em Havana. “André” (José Luiz Moreira Guedes) participou do Congresso de criação da OCLAE e Jarbas Cerqueira foi enviado a Cuba como representante permanente do Brasil. 

Após tudo isso, no período de 25 de fevereiro a 02 de março de 2005, foi realizado em São Paulo o XIV Congresso da OCLAE reunindo 35 organizações estudantis de 23 países, sendo eleita para presidir a Organização a cubana Gisleidys Sosa. A finalidade desse Congresso foi adequar a atuação do Movimento Estudantil latino-americano à nova realidade da região e mudar as formas de luta, permitindo a sua reinserção no contexto social e global.

A partir de 1968 foram muitas as causas da luta interna dentro da AP. A maior delas foi o fato de que a AP já havia feito uma longa caminhada de transformação sem nunca haver demarcado o estágio em que vivia. Não havendo critérios de militância, a Organização estava aberta a todos: cristãos, marxistas, socialistas, democratas, “foquistas” e partidários da tática chinesa deguerra popular prolongada. Havia de tudo. Um verdadeiro samba do crioulo doido...

Outra causa era a enorme diferença dos níveis de militância: enquanto uma parte trabalhava nas fábricas ou no campo e, assim, obtendo com a sua prática uma visão do que poderia ser a “revolução brasileira”, a grande maioria simplesmente passeava pelas ruas, tomava chopes e discutia interminavelmente com ares de quem acompanhava atentamente, nos mínimos detalhes, a História do Brasil desde a sua descoberta. A grande maioria das direções era considerada inadequada, constituídas por profissionais liberais que se dedicavam mais às suas profissões, afastando-se cada vez mais dos problemas da Organização.

Os dirigentes “Ribeiro” (Rogério D’Olne Lustosa) e “André” (José Luiz Moreira Guedes) eram os principais contestadores da política imposta pelo Comitê Nacional. Com a chegada dos que receberam treinamento na China, “Raul” (José Renato Rabelo) principalmente, o Comitê Nacional passou a defender e a divulgar o “pensamento de Mao-Tsetung”, como “etapa atual” do marxismo-leninismo.

Em abril de 1968 ocorreram desconfianças generalizadas entre os principais dirigentes da AP em decorrência da Organização ter-se transformado em marxista-leninista-maoísta, levada a isso pelos que chegaram da China “transfigurados”, como disse Betinho. Nesse clima foi realizada uma reunião da Direção Nacional que não passou de uma sessão de xingamentos e desconfianças. Nessa reunião os maiores choques foram entre “Ribeiro” (Rogério D’Olne Lustosa) e “Costa” (Carlos Alberto Volkner de Castilho). Várias vezes a reunião foi suspensa para que os participantes estudassem as propostas e as questões apresentadas. A reunião foi concluída com uma única Resolução: a de convocar outra reunião.

O Encontro seguinte teve início com o mesmo clima pesado e de desconfianças. Foi presidido por “Dias” (Aldo da Silva Arantes) mas dirigido, de fato, por “Dorival” (Jair Ferreira de Sá) que deu a maior contribuição em todas as questões discutidas. A reunião foi iniciada com a discussão dos problemas da luta de massas, especialmente do movimento camponês. Foram estabelecidos critérios para a definição de “áreas prioritárias” e foram analisadas também as várias áreas do trabalho operário, sendo ainda estabelecidos critérios de definição de categorias prioritárias, definidas na seguinte ordem: metalúrgicos, têxteis, químicos e portuários.

A seguir, a reunião passou a analisar a luta interna, tendo “Costa” (Carlos Alberto Volkner de Castilho) lido um documento escrito por “Rolando” (Vinicius José Nogueira Caldeira Brant). Terminada a leitura, “Dorival” (Jair Ferreira de Sá) denunciou as “provocações” e o “oportunismo” de “Rolando e seu grupo” e propôs a expulsão do que denominou de “grupo oportunista e provocador de Rolando” que incluía “Costa”, “Sonia” (?), “Mario” (Alípio Cristiano de Freitas) e “Daniel” (?). A seguir, todos se pronunciaram sobre o documento e o repúdio foi geral, à exceção, naturalmente, de “Rolando e seu grupo”.

Posteriormente, a reunião tratou de diversos temas relativos à reorganização da AP, sendo o principal o que dizia respeito à Comissão Militar (CMi), à qual foram atribuídas duas tarefas fundamentais:

- fazer o levantamento estratégico de áreas prioritárias;

- assessorar as Comissões de Massa na organização de grupos de defesa de massa e, onde fosse necessário, a organização de milícias.

No período compreendido entre setembro de 1968 e junho de 1969, a AP mudou completamente de caráter. A luta interna, as grandes experiências na luta de massas e o processo de reorganização modificaram completamente a face da Organização, dando-lhe maior unidade nacional e uma nova consciência de classe passou a ser forjada lentamente. Nesse período, grande número de militantes foi desligado, abrindo claros na estrutura orgânica, no momento em que a necessidade de quadros crescia assustadoramente em decorrência de vários fatores.

A chamada repressão governamental criou enormes dificuldades para a militância. O exemplo marcante foi o do jornal da Organização – “Libertação” – que era confeccionado por um único militante, que o editava duas vezes por mês. Essa foi a etapa da transformação da AP em partido proletário.

A seguir veio a queda do Congresso da UNE em Ibiúna-SP, ocasião em que foram presos os melhores e mais dedicados militantes da AP no Setor Estudantil, como Jarbas Cerqueira, Luiz Travassos, Jean-Marc Van der Weid e outros. 

Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

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