sábado, 7 de dezembro de 2013

Obama aproxima-se do ponto de não retorno

Obama aproxima-se do ponto de não retorno

por Melkulangara Bhadrakumar [*]
Materiais capturados pelo Exército Sírio aos bandos terroristas. As observações do presidente Vladimir Putin sobre a crise síria, durante uma visita a Vladivostok no fim de semana, foram as primeiras feitas desde que a crise começou a agigantar-se com os movimentos dos Estados Unidos para lançar um ataque militar contra aquele país do Médio Oriente.
O que é gritante na transcrição do Kremlin é que Putin falou muito mais extensivamente do que o noticiado pelos media. Além disso ele falou sobre virtualmente todos os aspectos daquela situação explosiva.
O momento escolhido foi igualmente muito importante, pois resta menos de uma semana para o grande evento internacional da cimeira do G20 que está programado para quinta-feira em S. Petesburgo, reunindo os líderes de topo do mundo, inclusive o presidente Barack Obama, em torno da mesa de conferência.
Certamente Putin hoje ergue-se acima de outros homens de estado do mundo ao tomar uma posição baseada altamente em princípios, dado o envolvimento da Rússia na Síria. A vantagem da Rússia é seu profundo conhecimento da Síria e do Médio Oriente e é um facto bem conhecido que ela continua a desempenhar um grande papel para remendar a conferência Genebra 2 apesar de todas as fortes adversidades...
A grande questão é em que medida Obama foi influenciado pelas observações de Putin ao adiar até 9 de Setembro a sua decisão de lançar um "ataque limitado" contra a Síria, pois é ao que equivale o seu pedido de endosso ao Congresso.
Muito depende desta grande questão, porque, prima facie, a decisão de Obama de adiar o ataque torna difícil para ele lançá-lo antes de o Congresso dos EUA se reunir em 9 de Setembro. Nessa altura, já terá havido a cimeira G20 onde se espera que a crise síria venha à discussão. Obama sentirá na G20 o isolamento dos EUA em relação à opinião pública mundial, a qual abomina o recurso à força na Síria. E Putin revelou que pretende levantar a questão síria com o presidente dos EUA.
Por outro lado, é virtualmente certo que o Congresso dos EUA endossará a decisão de Obama de atacar a Síria. Na realidade, a decisão de adiar o ataque por dez dias ou pouco mais dará a Obama mais tempo para arregimentar a opinião pública europeia. Isto já está a acontecer.
A valsa diplomática sobre a Síria parece-se cada vez mais como uma valsa lenta (cross-step waltz). O mais recente é a forte possibilidade, informada hoje pelo LATimes citando responsáveis superiores em Londres, de a Câmara dos Comuns britânica optar por uma segunda votação quanto à participação na "ação limitada" do presidente Barack Obama contra a Síria. Os principais jornais britânicos também agarraram a história.
Na verdade, é possível um consenso entre o primeiro-ministro David Cameron e o líder da oposição Ed Miliband. Assim como Cameron perdeu a face na votação de quinta-feira, também Miliband enfrenta críticas dentro do seu partido – e de aliados ocidentais da Grã-Bretanha – por precipitar uma divergência EUA-Reino Unido sobre uma questão chave, enquanto a Grã-Bretanha como um todo torna-se uma potência muito diminuída por ser implicada na situação de um cisma com os EUA sobre um grande projeto internacional de imensas consequências.
É útil recordar que Miliband também foi favorável à ação militar contra o regime sírio e seu argumento era que deveria haver um "mapa da estrada" a ser seguido. Agora, e se Cameron estiver aberto àquela sugestão? Claramente, os dançarinos estão a viajar juntos lado a lado, como em passeios ou vinhedos. Isto é uma coisa.
Putin alegou que toda a crise é uma farsa ("provocação") "daqueles que querem arrastar outros países para o conflito sírio e que querem o apoio de membros poderosos da comunidade internacional, especialmente os Estados Unidos". Ele deixou implícito que uma cabala de estados regionais teria tentado arrastar os EUA para a intervenção direta na Síria, o que até então a administração Obama recusou-se a fazê-lo, muito para seu desgosto. Putin também duvidou da veracidade da afirmação estado-unidense – e pôs em causa a intenção por trás dela – de que Washington está na posse de "prova" quanto à culpabilidade do regime sírio. Ele desafiou a administração Obama a apresentar a "prova" ao invés de usar o álibi de que é informação classificada. Putin enfatizou que falta aos EUA uma "base para tomar uma decisão fundamental" de atacar a Síria.
Washington sabe que estes pontos são impecáveis e difíceis de contestar e a administração Obama, portanto, continuará a dançar em torno destas questões perturbadoras colocadas por Putin. O secretário de Estado John Kerry fez precisamente isso na sua mais recente entrevista à CNN, no sábado: "Eles [a Rússia] escolheram, eu literalmente digo "escolheram", não acreditar nisso [a culpabilidade do regime sírio] ou pelo menos reconhecê-lo publicamente. Se o presidente russo escolhe ainda mais uma vez ignorar, essa é a sua escolha".
Putin disse que via o G20 como "uma boa plataforma" para discutir a crise síria, embora não seja uma "autoridade formal" ou uma "plataforma substituta" do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ele estava ansioso por discutir a Síria com Obama "num formato expandido" no G20 da próxima semana. Certamente, a esperança de Putin é trabalhar sobre a pedra nos rins de Obama e desviá-la da trilha militar e, esperançosamente, rumo à ressurreição do processo de Genebra 2. É um lance ambicioso e se alguém hoje pode encená-lo hoje no palco mundial, esse alguém só pode ser Putin.
Contudo, será que Obama morderá isso? Aqui, é importante analisar clinicamente as motivações americanas. Neste fim-de-semana houve açodamento ao julgar que a decisão de Obama de adiar o ataque até o Congresso deliberar significa que está a "retroceder". Bem, ele não está. Ao contrário, tudo o que está a fazer ao levar o assunto ao Congresso é ganhar tempo para organizar os aliados europeus, além de fazer um movimento inteligente para cobrir seus flancos na política interna americana.
Quanto ao último ponto, o editor da BBC para a América do Norte, Mark Mardell, avalia corretamente: "Alguns dirão que isto mostra que Obama está fraco. Ao invés disso, mostra que as cartas na sua mão são fracas... Tomar ação que é impopular, com uma coligação internacional incerta e relutância interna, não é uma posição forte para estar. Mas é sensível assegurar que a responsabilidade pela ação impopular é partilhada com outros políticos, como sabiam os assassinos de César. Também é astuto por razões internas adoçar um Congresso muito azedo. Alguns podem mesmo argumentar que numa democracia é a coisa certa a fazer".

O fim dos chefões
Hoje na realidade há o perigo crescente de que a "ação limitada" possa bem vir a assumir uma dimensão muito maior com uma vasta intervenção militar um tanto como o "mapa da estrada" que Miliband havia proposto – especialmente se o parlamento francês também se alinhar na quarta-feira, o que é altamente provável, dado o facto de que tanto os socialistas como os verdes que têm maioria no parlamento apoiam ação contra a Síria, com a esquerda intelectual francesa [NR] proporcionando o estímulo necessário junto à opinião pública.
Em suma, um plano inclinado encontra-se pela frente e podíamos mesmo estar a rumar para uma intervenção ocidental na Síria como a do Kosovo. De fato, isso parece cada vez mais ser o único caminho para Obama poder encontrar uma saída da armadilha da "linha vermelha" que ele arrogantemente estabeleceu para si mesmo na questão das armas químicas – a menos que alguma fórmula de compromisso, tal como a "comunidade internacional" encarregar-se dos stocks de armas químicas da Síria, surja no próximo G20 de quinta-feira.
A questão é que, se a "ação limitada" dos EUA for desafiada militarmente pela Síria e/ou Irão e Hezbolá, isso podia do dia para a noite transmutar-se numa "acção ilimitada", pois os EUA teriam de responder com força muito superior. (Curiosamente, os EUA continuam a aumentar sua armada naval no Leste do Mediterrâneo.) Tudo começou como uma "ação limitada" de ataques aéreos sobre a Jugoslávia em 24 de Março de 1999, mas quando a assim chamada Operação Bigorna Nobre acabou onze semanas depois, em 10 de Junho de 1999, uma missão da ONU atacou o Kosovo.
O que precisa ser decomposto do ângulo geopolítico é que Obama não pode sequer pensar que tem qualquer outra opção além de atuar sobre a Síria. Ou do contrário, os dias dos EUA como chefão estão acabados no Médio Oriente – os laços com a Arábia Saudita ficarão sob tensão sem precedente; a segurança de Israel será seriamente afetada; o Irã inexoravelmente ganhará vantagem tanto como potência regional como no caso de impasse; e os EUA terão de negociar com Teerã a partir de uma posição de fraqueza. De modo geral, a falha em atuar na Síria já dará uma bofetada letal na posição dos EUA no Médio Oriente da qual será difícil recuperar, e isso por sua vez transformará a maré da Primavera Árabe e disparará uma série de convulsões a jusante numa variedade de frentes tais como o futuro do Egito, o Iraque, o Líbano, o problema da Palestina, a presença militar americana na região e assim por diante. Um período perigoso depara-se pela frente.
02/Setembro/2013
[NR] A classificação de "esquerda" dada aos que apoiam servilmente as agressões militares do imperialismo é do autor. Resistir.info não endossa tudo o que publica.

Do mesmo autor:
Syria: The Iron In Obama’s Soul , 04/Setembro/2013

[*] Ex-embaixador da Índia.
O original encontra-se em www.strategic-culture.org/news/2013/09/02/obama-nearing-point-of-no-
return.html
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

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