Com a economia à beira da implosão, os venezuelanos – assoberbados pela inflação e afogados numa crise de escassez de bens alimentares e outros artigos essenciais – vão hoje às urnas em eleições municipais que inevitavelmente estão a ser interpretadas como o primeiro grande teste ao Governo do Presidente Nicolás Maduro.
Como seria de esperar, a oposição transformou a votação de hoje, para escolher 337 alcaides e 2523 conselheiros municipais, num plebiscito às políticas do sucessor de Hugo Chávez, no poder há sete meses. Para Henrique Capriles, o candidato presidencial derrotado à tangente por Maduro, neste referendo informal é a participação na eleição que importa: uma elevada adesão, que mantenha a margem da oposição na casa dos 50%, dará maior força aos seus argumentos sobre a legitimidade política de Maduro.
Capriles nunca reconheceu os resultados oficiais das presidenciais de Abril, que deram a Nicolás Maduro 50,66% dos votos. O herdeiro político de Chávez não foi capaz, como ele, de "arrasar" a oposição – com 49,07%, Henrique Capriles pôs em causa a validade da contagem, recorrendo aos tribunais e às instâncias internacionais, numa campanha que fragilizou ainda mais a autoridade política do Presidente.
Como resumia um eleitor de 25 anos de Caracas, José Martinez, entrevistado pelo jornal Miami Herald, “a votação [deste domingo] vai mostrar quem está mais forte agora” – Maduro ou Capriles. O governador do estado de Miranda sabe que dificilmente o Partido Socialista Unido da Venezuela deixará de ser a maior força autárquica do país. Actualmente, o partido do Governo controla 262 dos 337 municípios, e as sondagens não perspectivam uma derrota significativa em termos de mandatos.
A oposição, reunida na coligação Mesa da Unidade Democrática, aposta forte para garantir o pleno nos cinco municípios da Grande Caracas (o que implica conquistar o único que está nas mãos dos socialistas) e aguentar a câmara de Maracaibo, a segunda maior cidade do país. De resto, os liberais procuram uma vitória moral. “A nossa aspiração é ter mais votos, mesmo que isso não corresponda ao maior número de eleitos”, admitiu Vicente Bello, um dos dirigentes da MUD.
Mas para além do interesse de um novo confronto entre os dois principais protagonistas políticos da Venezuela, e do seu impacto e consequências em termos nacionais, as eleições deste domingo configuram um importante teste à capacidade de resistência (ou sobrevivência) do “chavismo” tal como é praticado pelo Governo do Presidente Nicolás Maduro.
A um mês do acto eleitoral, a conjuntura era francamente negativa para o chamado “oficialismo”, na defensiva por causa da deterioração acentuada das condições de vida e da abrupta queda de popularidade do Presidente. Com o crescimento estagnado, a taxa de inflação anual galgou para os 54%, o défice fiscal disparou e o câmbio do bolívar caiu a pique. A capacidade industrial venezuelana está desactualizada e as infra-estruturas do país em estado de pré-ruína: os cortes de energia são frequentes, chegando por vezes a deixar 80% do país paralisado, às escuras. Produtos básicos, do leite à farinha, arroz e papel higiénico, escasseiam nos supermercados, alimentando o descontentamento e as tensões sociais.
Ofensiva contra o capital
O Presidente diz que está a ser vítima de uma campanha de sabotagem orquestrada pelas forças da oposição doméstica e internacional: trata-se de uma guerra económica para derrotar a revolução bolivariana iniciada por Chávez. Sem o carisma do seu mentor, Maduro iniciou uma arriscada e ambiciosa ofensiva contra as forças capitalistas – a “burguesia parasita”, os “especuladores” e os “usurários”, como repete o Presidente a cada instante – através da fixação dos preços ou até da tomada de cadeias que vendem electrodomésticos ou automóveis.
Mas, para a oposição, a actual situação económica do país não tem nada a ver com uma suposta conspiração de forças difusas e tem apenas um responsável: o Governo, que é descrito como corrupto, incompetente e autoritário. Nos comícios das grandes cidades, Capriles nunca se esquece de lembrar que a Venezuela ocupa o fundo da tabela da Transparência Internacional no que diz respeito à corrupção (na posição 165 do ranking de 174 países) ou que se tornou um dos recordistas mundiais da violência urbana, com 60 homicídios por cada 100 mil habitantes por ano.
No estrangeiro, as medidas extremas do Presidente venezuelano foram duramente criticadas. Mas mesmo que a sua eficácia económica seja razão de debate, em termos puramente políticos, a sua estratégia parece revelar-se um sucesso, começando – internamente – a produzir os resultados esperados: Maduro estancou a sua queda nas sondagens e recuperou a iniciativa política, ao pedir poderes especiais para aprovar leis por decreto por um período de um ano (concedido pela Assembleia Nacional).
Como aconteceu nas eleições passadas (e só nos últimos dez anos houve 15 actos eleitorais na Venezuela), o Governo de Caracas aceitou a presença de uma missão de observadores internacionais para vigiar a votação. A ministra da Comunicação, Delcy Rodríguez, contestou as acusações da oposição, que exigiu medidas de punição da Comissão Nacional Eleitoral às alegadas irregularidades e infracções por parte da campanha do PSUV. “Lá vêm os chorões da MUD falar em injustiças na campanha”, desvalorizou.
Segundo o Observatório Eleitoral Venezuelano, uma organização não-governamental, pode falar-se de um tratamento desigual entre os candidatos do oficialismo e da oposição, por exemplo no que diz respeito ao tempo de antena ou à distribuição do financiamento eleitoral. Para o director Luís Lander, o cenário de fraude eleitoral não é muito plausível – as máquinas de votação electrónica foram consideradas fidedignas pelos especialistas.
No entanto, o observatório considera que a ida dos eleitores às urnas poderá ser influenciada pela celebração do “Dia de Lealdade e Amor a Chávez e à Pátria”, que o Presidente marcou para o domingo da votação. A data assinala o primeiro aniversário do discurso em que o ex-Presidente anunciou ao país que viajaria novamente para Cuba para realizar um novo tratamento contra o cancro, e escolheu Maduro para o substituir à frente do Governo da Venezuela.
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