É melhor acabar com a polícia militar?
23.11.2013
Tenho ouvido de várias pessoas que é imprescindível a pronta desmilitarização da instituição "polícia militar", que a polícia militar tinha que acabar. Argumenta-se que hoje a PM (não importando o estado da federação) serve apenas como um agressivo e despreparado órgão de repressão às manifestações políticas legítimas e um corrupto órgão de uma pseudo repressão ao crime. Este entendimento se acentuou com as violentíssimas práticas repressivas utilizadas nas manifestações políticas dos últimos meses. Mas, será que esta é a solução mais acertada?
O fato é que temos sim uma estrutura de policiamento ostensivo, logo de combate ao crime, seja ele qual for, deteriorada face às necessidades do dia-a-dia. Temos uma polícia civil, que teria funções investigativas, sucateada em praticamente todos os estados brasileiros, não conseguindo realizar nem medianamente suas atividades. Já a Polícia Federal, que exerce funções de polícia judiciária e investigativa de âmbito federal, encontra-se atuando muito além de suas atuais possibilidades e também carece de inúmeros recursos humanos e materiais, embora possua um corpo de policiais com inegável qualificação e remuneração mais adequada. Assim, a polícia mais próxima aos cidadãos é, sem a menor dúvida, a polícia militar.
Não podemos entender a polícia militar apenas como uma instituição destinada a agredir manifestantes, embora saibamos que ela tem desempenhado esta função de forma bárbara. Devemos lembrar que o soldado repressor e absurdamente agressivo está recebendo ordens, absurdas ou não, de alguém superior na cadeia de comando. Logo, não seria apenas o soldado, o cabo, o sargento ou até o coronel o agressor, mas sim o secretário de segurança ou o governador que autoriza e/ou exigi o uso de força extrema na repressão às manifestações. É óbvio que falta discernimento ao soldado que está na linha de frente quanto à forma de agir e isto só prova o despreparo de quem o comanda. Não há como existir uma boa tropa se for comandada por alguém incapaz.
Também faz parte do senso comum que em qualquer encrenca com a polícia militar é só "liberar uma graninha" que tudo se resolve. Ledo engano! Em alguns estados como o Rio de Grande do Sul ou o Distrito Federal quem ousar propor tal coisa conseguirá mais problemas do que está imaginando. Se isto se deve à uma melhor política salarial ou de preparo do policial não sei afirmar. O que sei é que em alguns estados da federação, a política salarial dos policiais militares é lastimável, obrigando-os a fazer "bicos" como segurança particular para poder sobreviver, e, o que é pior, a ter que se disfarçar em seus horários de folga, para não correr risco, ironicamente, diante da própria violência urbana que combate.
O que temos que questionar é o papel de nossa estratégia de combate ao crime e à ordem pública. Sou a favor de duplas de policiais patrulhando à pé ou de bicicleta as ruas de nossas cidades, tendo o apoio de policiais em viaturas (quem tenham combustível e andem de verdade) para o caso de emergências. Sou a favor de um verdadeiro treinamento qualificado aos policiais, onde até mesmo bons modos e respeito à cidadania seja ensinado.
Não é a questão de nossa polícia de patrulhamento ostensivo ser militar ou não que deveria estar na discussão. O que deve ser questionado é a qualidade de nossa política de segurança pública. Tenho a mais absoluta certeza que policiais bem treinados para toda e qualquer situação não praticaria os absurdos que a PMERJ fez durante a repressão às legítimas manifestações de professores, por exemplo. Policiais, e principalmente, comandantes bem treinados saberiam distinguir agitadores de manifestantes e nunca teriam surrado, vergonhosamente, os professores. São atitudes como estas que fazem com que tanta gente esteja pleiteando a desmilitarização das polícias militares.
Uma das formas mais inteligentes de atuação de uma força policial é sua plena interação com a comunidade a que serve. No estado do Rio de Janeiro, os conselhos comunitários de segurança pública realizam satisfatoriamente esta ponte, embora pudesse ser bem melhor. A comunidade ainda se intimida em se aproximar de um policial ou até mesmo de adentrar num batalhão de polícia militar, como se fosse território proibido ao cidadão comum. Cito o exemplo da PMERJ, pois percebo a instituição apoiando e incentivando esta interação de forma contínua através dos últimos anos. Hoje, é comum encontramos comandantes de batalhões do Rio de Janeiro, oficialmente representando a instituição, em eventos e atividades de suas comunidades. É o entendimento que deveria ser para todos os momentos: a polícia militar com e para o povo. E não como vemos no caso das manifestações políticas, quando a polícia militar se torna algoz do povo. Mesmo que o policial esteja recebendo ordens de superiores, tem a obrigação como cidadão de não extrapolá-las. Sabemos que em certas ocasiões atitudes mais enérgicas e contundentes se fazem necessárias, mas deverão ser aplicadas com métodos próprios, que respeite o direito de manifestação e a verdade.
Seria interessante se pudéssemos sentir o policial militar não apenas como um agente repressor na maioria das vezes, mas sim como um agente educador de cidadania. Não digo que caiba ao policial militar virar professor, mas servir de exemplo positivo à população, posicionando-se como um aliado de fato de suas comunidades. Pergunto então aos meus leitores, quantos de vocês conhecem os policiais que fazem a ronda em sua região? Sei que em muitas regiões nem ronda policial há, mas mesmo nas regiões em que isto ocorre, quantas pessoas interagem com os policiais, mesmo que apenas cumprimentando-os? A resposta é triste: pouquíssimas pessoas. Muita gente já me respondeu que não quer assunto com "polícia", que são todos bandidos! Eu mesmo tenho um hábito que já foi recriminado por muita gente: quando me perco num trajeto de trânsito, peço ajuda à policiais. Acho óbvio fazer isto, mas já me disseram que eu dei sorte até então, que um dia, quando for pedir orientação, os policias darão um jeito de me extorquir dinheiro .
Diante do entendimento (afirmo que errôneo!) de que todos os policiais militares são bandidos, mudar o nome ou a estrutura da instituição de nada adiantará. Não adianta acabar com a polícia militar ou torná-la civil e não mudar a forma do brasileiro de enxergar seu papel na sociedade. Logicamente, teremos que ter políticas de conscientização popular, desmitificando a famosa "Lei de Gerson", por exemplo. A reformulação deverá ser de toda a sociedade e de sua forma de agir, mas será que todos querem pagar o preço de se tornar cidadãos?
*Alessandro Lyra Braga é carioca, por engano. De formação é historiador e publicitário, radialista por acidente e jornalista por necessidade de informação. Vive vários dilemas religiosos, filosóficos e sociológicos. Ama o questionamento.
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