domingo, 2 de agosto de 2015

O dobro de nada

O dobro de nada


Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Guilherme Fiuza

O PIB brasileiro despencou por causa da Operação Lava-Jato, explicou Dilma Rousseff. A presidente informou que a investigação do petrolão reduziu em pelo menos um ponto o crescimento nacional. Ou seja: o Brasil não deveria ter interferido no ir e vir dos pixulecos. O esquema estava funcionando bem, com mais de dez anos de crescimento sólido. É claro que a moralização ia estragar tudo. Com essa mania de prender pessoas que fazem o dinheiro circular, Sérgio Moro só poderia mesmo provocar uma recessão.

Deve ter sido sobre isso que Dilma foi conversar escondido com Lewandowski em Portugal. A presidente da República e o presidente do Supremo Tribunal Federal hão de salvar o Brasil de Sérgio Moro — mas é melhor mesmo tratar disso clandestinamente, porque esses juízes éticos são vingativos. Pouco depois da reunião republicana na cidade do Porto, Lewandowski resolveu dar sua opinião isenta sobre a conjuntura econômica: afirmou que a crise brasileira provém da bolha americana de 2008.

Os brasileiros jamais entenderiam que diabos aconteceu com seu PIB se não fossem os esclarecimentos oportunos de Dilma e Lewandowski. Agora, é só esperar a crise de 2008 passar e torcer para a Lava-Jato parar de arrochar os pixulecos.

Mas se você continua achando que o país está no buraco porque foi depenado pelos companheiros, esqueça. Num texto que está fazendo o maior sucesso por aí, os respeitáveis economistas Mansueto Almeida, Marcos Lisboa e Samuel Pessoa dizem que o problema não é esse. O trio recua duas décadas e meia para mostrar o histórico de hipertrofia do Estado e descontrole fiscal. Os autores são amados pelos tucanos, mas nem João Santana prestaria um serviço tão valioso ao PT.

Após 12 anos de pilhagem desenfreada dos cofres públicos pelo sistema que engendrou o mensalão, o petrolão, as pedaladas fiscais e grande elenco de manobras parasitárias, os três consagrados economistas estão preocupados com o ano de 1991. Foi ali que as despesas públicas passaram a crescer demais, apontam eles. O resto foi bola de neve. Imaginem Guido Mantega lendo esse texto... Nem 20 anos de psicanálise quebrariam tão bem o seu galho. Pode até voltar a frequentar restaurantes.

No quadro continental, o Brasil aparece sozinho com a Venezuela no buraco da recessão. Isso depois de receber sólidos alicerces de crescimento nas décadas de 1990 (estabilização monetária) e de 2000 (enxurrada de capital para os emergentes). O PT jogou fora esse ciclo virtuoso, mantendo a taxa de investimento em níveis vexaminosos — e agora, com a revelação do sequestro da Petrobras, sabe-se bem onde os companheiros estavam investindo o dinheiro público. Isto para não falar nas triangulações obscenas entre Tesouro, BNDES e estatais para maquiar déficits recordes.

Um longo e devastador estupro das contas públicas, que, na autópsia feita por Mansueto, Lisboa e Samuel, virou uma gripe. Dilma, Lula, Mantega, Dirceu, Delúbio, Vaccari e companhia podem dormir com o texto do trio na cabeceira: as obras completas do bando não são nem uma marolinha na crise fiscal brasileira.

Naturalmente, o mercado e outras criaturas do mundo real não cantam essa cantiga. Uma das principais agências de risco acaba de colocar o Brasil em perspectiva negativa — mais um sinal de desconfiança diante da rave dos aloprados no Planalto. Ou não: talvez a Standard & Poor’s também ache que a Lava-Jato faz mal ao PIB.

A alegação de que a catástrofe fiscal brasileira seria a mesma sem as peripécias do PT no poder, feita por economistas notáveis, é o melhor presente que os delinquentes da estrelinha poderiam receber. O Brasil não liga muito para corrupção, e a chapa está quente para o governo petista por causa da ruína econômica que os companheiros plantaram. Mas se os acadêmicos que encantam os tucanos aparecem dizendo que a bomba-relógio não tem dono, Dilma pode continuar pedalando à vontade — e dizendo que a bicicleta é do Fernando Henrique.

O paper de Mansueto Almeida, Marcos Lisboa e Samuel Pessoa sustenta que a explosão da carga tributária vem de antes do reinado petista. É fato. Só que o aumento de impostos no Plano Real, por exemplo, foi parte de um ajuste fiscal que permitiu a estabilização da moeda — e melhorou a vida dos brasileiros. Já o aumento de impostos no presente serve a um ajuste fiscal mambembe para bancar a farra companheira — que piorou a vida dos brasileiros. Um detalhe.

Outro detalhe: o PT atropelou a meta fiscal, criada pelo governo anterior, fazendo o superávit primário dançar conforme as suas malandragens contábeis. Se o jogo é calcular o tamanho do tombo no futuro próximo, como não botar na conta esse coeficiente perdulário — mais uma exclusividade petista?

Está todo mundo de cabelo em pé com a radiografia do trio de economistas, menos Dilma e seus companheiros. Tudo o que eles precisavam era ter as melhores cabeças do país dizendo que seu governo vampiresco é igual aos outros. Assim, a mulher sapiens poderá continuar por aí, numa boa, dobrando metas que não existem.


Guilherme Fiuza é Jornalista. Originalmente publicado em O Globo em 1 de agosto de 2015.

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