sábado, 29 de novembro de 2014

Descendo do muro de Berlim

14/03/2014
 às 6:00 \ AlemanhaCrimeiaMerkelPutinRússiaUcrânia

Descendo do muro de Berlim

Nyet, nien
Nyet!Nein!
Nas últimas semanas, Angela Merkel conversou sete vezes com Vladimir Putin. A filha de um pastor protestante  criada na Alemanha Oriental e o ex-agente da KGB lotado em Dresden conversam tanto em alemão como em russo. O recado da primeira-ministra alemã tem sido para o presidente russo desescalar a crise na Ucrânia e não anexar a região autônoma da Crimeia (um referendo foi orquestrado para este domingo). Fracasso na missão e o sentimento de exasperação de Merkel cresce (ela disse ao presidente Obama que Putin vive em “outro mundo”).
Quanto a Merkel, está cada vez mais difícil para ela ser a ponte entre dois mundos e forjar um consenso. E suas declarações públicas de condenação ao governo russo endureceram bastante desde quarta-feira, assim como a disposição para impor sanções vigorosas depois do referendo na Crimeia no domingo. Uma situação grave se torna cada vez mais perturbadora e existe alta ansiedade com o risco de erro de cálculo, como nas novas provocações russas, confirmadas com as “manobras militares” na fronteira com a Ucrânia.
Os sinais são de que a Alemanha (numa postura comum à democracia-cristã de Merkel e à social-democracia) se afasta deste papel mediador, avessa a confrontos com Moscou, embora firmemente ancorada na Otan, a aliança militar ocidental. Ao longo de décadas, a Alemanha (ainda antes da reunificação) buscou a reconciliação e laços econômicos mais íntimos com o adversário da Segundo Guerra Mundial, apesar da proximidade com os EUA.
Na verdade, o papel central de Merkel em uma crise geopolítica é incomum. Normal que isto ocorra na frente econômica, mas em política a iniciativa europeia costuma ficar com franceses e britânicos. A desenvoltura alemã dá, portanto, uma medida da gravidade da situação. A leitura em Berlim é a de que a Europa deve se preparar para um prolongado conflito, que resultará em grandes riscos tanto para ela como para a Rússia, mas, como alertou Merkel, os danos serão maiores, serão maciços para Moscou, devido ao que eu qualifico de erro de cálculo de Putin.
Merkel já foi mais relutante para fazer cobranças de Putin e lançar este tipo de ataque direto. Em primeiro lugar, existem os interesses econômicos. A Alemanha depende da Rússia para 1/3 de suas importações de gás e petróleo e o comércio bilateral anual é da ordem de US$ 100 bilhões (a Rússia é o décimo-primeiro parceiro comercial da Alemanha).
E havia até agora uma leitura cautelosa do jogo geopolítico, especialmente pós-Guerra Fria. A Alemanha é grata pelo papel maduro de Moscou na reunificação do país. Merkel enfatizava a necessidade do Ocidente entender a inquietação da Rússia com a expansão da Otan e em 2008 ela teve papel-chave para bloquear os esforços do governo americano de George W. Bush para acelerar a adesão da Ucrânia e da Geórgia à aliança militar ocidental. Nada disso, é claro, abafou a ilusão de Merkel sobre o governo Putin e a a Alemanha é próxima de países da ex-órbita soviética, a destacar a Polônia, inquietos com a agressão russa na Ucrânia.
A intimidade bilíngue com Putin permitiu um acesso privilegiado para Merkel (e pelo visto não está adiantando muito agora), mas também incomoda. Existe o relato de que a primeira-ministra alemã teria confidenciado ao presidente francês François Hollande que a “voz baixa e suave” de Putin falando em alemão a fazia lembrar de um “homem da Stasi”, a polícia secreta da Alemanha Oriental.
No entanto, não é apenas o aspecto pessoal que incomoda. A primeira-ministra alemã não pode fugir às suas responsabilidades de liderança tanto no seu próprio país como na Europa, diante destas ações acintosas e desestabilizadoras de Putin. No seu discurso de quinta-feira no Parlamento alemão, Merkel fulminou o perigoso anacronismo de Putin, dizendo que “estamos vivendo conflitos sobre esferas de influência e reinvindicações territoriais que conhecemos dos séculos 19 e 20 e que nós pensávamos que tivessem sido superados. Está claro que não foram”. No final das contas, nosso homem em Moscou fala apenas velhas línguas e não o novo alemão.
***
Colher de chá para os comentários cirúrgicos matinais da “berlinense” Barbara Barreto.  E colher de chá de final da tarde para Henrique FM pela correção, sim, sim. (dia 14, 17:40). E  uma colher de chá noturna para o sofisticado e fino Olavo Mata (dia 14, 19:40).

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