País tem registro recorde de armas para pessoas físicas em 2014
Mais de 24 mil peças foram registradas no ano passado; medo da violência seria motivo de busca crescente
BRASÍLIA — Apesar de regras rígidas impostas pelo Estatuto do Desarmamento, nunca foram registradas tantas armas de fogo para o cidadão comum no país: 24.255 peças em 2014, um recorde desde que a Lei do Desarmamento entrou em vigor, em 2003. Nos primeiros quatro meses deste ano, já haviam sido registradas 12.318 armas, sendo que 82,7% eram para posse de pessoas físicas. Os dados foram obtidos pelo GLOBO a partir de pedido via Lei de Acesso à Informação.
Os números mostram que o restante das armas registradas foi concedido a empresas de segurança privada, lojas de armas, repartições públicas e órgãos de segurança pública de natureza civil. Para militares, quem faz o registro é o Exército.
Um dos motivos considerados inclusive pelo governo para a busca crescente por armas de fogo seria o medo da população de ser vítima da violência. Há divergências, no entanto, sobre a real segurança proporcionada por uma arma. Esse é o debate central que será reacendido neste mês, quando a Câmara pretende votar o projeto que flexibiliza o Estatuto do Desarmamento, diminuindo as exigências impostas pela lei. Para os grupos favoráveis à proposta, é preciso acabar com a regra atual que impõe comprovação da necessidade da arma diante da PF.
— É algo muito subjetivo. Além de fazer os testes, apresentar os documentos, o cidadão ainda precisa convencer o Estado de que precisa da arma — critica Bene Barbosa, presidente do Movimento Viva Brasil, que é contrário ao Estatuto do Desarmamento.
REGISTROS MAIS QUE DOBRARAM
Regina Miki, titular da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), órgão do Ministério da Justiça, rebate as críticas argumentando que o número crescente de registros concedidos pela PF a civis mostra que não há regras inacessíveis, mas, sim, “criteriosas”. A quantidade de armas registradas ao ano para pessoas físicas mais que dobrou entre 2010 e 2014, passando de 11.971 para mais de 24 mil. Regina Miki defende que qualquer critério será alvo de queixas por parte de “quem fica de fora” e até admite espaço para modificações pontuais no Estatuto, mas nada que amplie a circulação de armas na sociedade:
— A lei já tem mais de dez anos, pode ser aperfeiçoada. Mas não é permitindo nove armas por pessoa, como querem alguns, que vamos modificar os critérios para melhor. A arma é bom instrumento de ataque e péssimo de defesa.
Para Bruno Langeani, coordenador de Sistemas de Justiça e Segurança Pública do Instituto Sou da Paz, entidade que faz pesquisas na área, apenas o medo da violência não explica a disposição dos civis de se armarem. Ele destaca que a interrupção de campanhas fortes sobre o tema, promovidas no passado pelos governos estaduais e federal, fez com que as pessoas “esquecessem que ter arma traz mais problemas do que solução”. Além do risco de acidente, outro fator apontado é a falta de destreza do cidadão comum, agravado pelo efeito surpresa de um assalto.
Defensor de mudanças no Estatuto do Desarmamento, o deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF), coronel da Polícia Militar da reserva e um dos parlamentares mais atuantes da chamada bancada da bala, considera falaciosos os argumentos de que o civil armado corre riscos. Para ele, independentemente do nível de capacitação para manusear um revólver, qualquer cidadão está sujeito a ser surpreendido por um bandido e, de fato, ficar impedido de agir. Fraga diz que o governo erra duas vezes, ao não oferecer segurança para a população e, ao mesmo tempo, dificultar que as pessoas tenham armas para se defender.
Da mesma forma que aumentaram os registros de armas de fogo ao longo dos anos, também é crescente o número de peças legais que acabam nas mãos de bandidos. Só em 2014, 10.579 armas com registro foram roubadas ou furtadas. A quantidade equivale a cerca de 30% do total de 36.750 registros concedidos pela PF naquele ano, incluindo empresas de segurança privada, órgãos públicos, lojas de armas e pessoas físicas. O dado, no entanto, é subnotificado, segundo profissionais da área, porque nem sempre a ocorrência de furto ou roubo, que é feita nas delegacias estaduais, chega rapidamente ao banco de informações da PF, que centraliza as estatísticas.
Na avaliação de Langeani, do Instituto Sou da Paz, a média de dez mil armas roubadas ou furtadas por ano mostra que o mercado regular acaba abastecendo o clandestino no país. Ele defende que quanto mais controle houver no comércio legal, maior será a dificuldade de criminosos terem acesso a armas. Já Bene Barbosa, do Movimento Viva Brasil, afirma que os criminosos não dependem desse mercado para se armar. O número elevado de armas com registro furtadas e roubadas, segundo ele, apenas demonstra o “nível elevadíssimo de insegurança no Brasil”.
DF EM PRIMEIRO LUGAR NO RANKING
Considerando a quantidade de armas registradas de 2004 a 2015, o Distrito Federal está em primeiro lugar, proporcionalmente à população, com um registro para 420 habitantes, seguido pelo Acre (um para 444) e por Santa Catarina (um para 478). Não significa, porém, que todas as armas cadastradas no período ainda estão ativas. Mas o dado é capaz de apontar quantas peças já entraram no mercado legal, em cada estado, desde que o Estatuto do Desarmamento entrou em vigor.
O Estado do Rio acumula 12.610 registros concedidos ao longo do período analisado, média de um para 1.313 habitantes, segundo dados da população divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Bene Barbosa considera que o DF fica no topo da lista especialmente devido ao perfil econômico elevado da capital federal. Devido às taxas que têm de ser pagas, afirma ele, ter arma no Brasil tornou-se algo caro:
— São pagamentos que chegam a R$ 1 mil ou mais, além do preço da própria arma, da munição. Penaliza muitas vezes quem realmente precisa, porque mora em local violento, mas não tem dinheiro para solicitar.
O Exército informou ter, até 8 de junho deste ano, 811.441 armas registradas no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), que controla os artefatos das Forças Armadas, das polícias e dos bombeiros militares, da Agência Brasileira de Inteligência e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. As armas de fogo de colecionadores, atiradores e caçadores, além das pertencentes às representações diplomáticas, também fazem parte do Sigma. Já o Sistema Nacional das Armas (Sinarm), gerenciado pela PF, registra o armamento de civis.
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