segunda-feira, 3 de agosto de 2015

País tem registro recorde de armas para pessoas físicas em 2014

País tem registro recorde de armas para pessoas físicas em 2014

Mais de 24 mil peças foram registradas no ano passado; medo da violência seria motivo de busca crescente


BRASÍLIA — Apesar de regras rígidas impostas pelo Estatuto do Desarmamento, nunca foram registradas tantas armas de fogo para o cidadão comum no país: 24.255 peças em 2014, um recorde desde que a Lei do Desarmamento entrou em vigor, em 2003. Nos primeiros quatro meses deste ano, já haviam sido registradas 12.318 armas, sendo que 82,7% eram para posse de pessoas físicas. Os dados foram obtidos pelo GLOBO a partir de pedido via Lei de Acesso à Informação.
Os números mostram que o restante das armas registradas foi concedido a empresas de segurança privada, lojas de armas, repartições públicas e órgãos de segurança pública de natureza civil. Para militares, quem faz o registro é o Exército.
Um dos motivos considerados inclusive pelo governo para a busca crescente por armas de fogo seria o medo da população de ser vítima da violência. Há divergências, no entanto, sobre a real segurança proporcionada por uma arma. Esse é o debate central que será reacendido neste mês, quando a Câmara pretende votar o projeto que flexibiliza o Estatuto do Desarmamento, diminuindo as exigências impostas pela lei. Para os grupos favoráveis à proposta, é preciso acabar com a regra atual que impõe comprovação da necessidade da arma diante da PF.
— É algo muito subjetivo. Além de fazer os testes, apresentar os documentos, o cidadão ainda precisa convencer o Estado de que precisa da arma — critica Bene Barbosa, presidente do Movimento Viva Brasil, que é contrário ao Estatuto do Desarmamento.
REGISTROS MAIS QUE DOBRARAM
Regina Miki, titular da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), órgão do Ministério da Justiça, rebate as críticas argumentando que o número crescente de registros concedidos pela PF a civis mostra que não há regras inacessíveis, mas, sim, “criteriosas”. A quantidade de armas registradas ao ano para pessoas físicas mais que dobrou entre 2010 e 2014, passando de 11.971 para mais de 24 mil. Regina Miki defende que qualquer critério será alvo de queixas por parte de “quem fica de fora” e até admite espaço para modificações pontuais no Estatuto, mas nada que amplie a circulação de armas na sociedade:
— A lei já tem mais de dez anos, pode ser aperfeiçoada. Mas não é permitindo nove armas por pessoa, como querem alguns, que vamos modificar os critérios para melhor. A arma é bom instrumento de ataque e péssimo de defesa.
Para Bruno Langeani, coordenador de Sistemas de Justiça e Segurança Pública do Instituto Sou da Paz, entidade que faz pesquisas na área, apenas o medo da violência não explica a disposição dos civis de se armarem. Ele destaca que a interrupção de campanhas fortes sobre o tema, promovidas no passado pelos governos estaduais e federal, fez com que as pessoas “esquecessem que ter arma traz mais problemas do que solução”. Além do risco de acidente, outro fator apontado é a falta de destreza do cidadão comum, agravado pelo efeito surpresa de um assalto.
Defensor de mudanças no Estatuto do Desarmamento, o deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF), coronel da Polícia Militar da reserva e um dos parlamentares mais atuantes da chamada bancada da bala, considera falaciosos os argumentos de que o civil armado corre riscos. Para ele, independentemente do nível de capacitação para manusear um revólver, qualquer cidadão está sujeito a ser surpreendido por um bandido e, de fato, ficar impedido de agir. Fraga diz que o governo erra duas vezes, ao não oferecer segurança para a população e, ao mesmo tempo, dificultar que as pessoas tenham armas para se defender.
Da mesma forma que aumentaram os registros de armas de fogo ao longo dos anos, também é crescente o número de peças legais que acabam nas mãos de bandidos. Só em 2014, 10.579 armas com registro foram roubadas ou furtadas. A quantidade equivale a cerca de 30% do total de 36.750 registros concedidos pela PF naquele ano, incluindo empresas de segurança privada, órgãos públicos, lojas de armas e pessoas físicas. O dado, no entanto, é subnotificado, segundo profissionais da área, porque nem sempre a ocorrência de furto ou roubo, que é feita nas delegacias estaduais, chega rapidamente ao banco de informações da PF, que centraliza as estatísticas.
Na avaliação de Langeani, do Instituto Sou da Paz, a média de dez mil armas roubadas ou furtadas por ano mostra que o mercado regular acaba abastecendo o clandestino no país. Ele defende que quanto mais controle houver no comércio legal, maior será a dificuldade de criminosos terem acesso a armas. Já Bene Barbosa, do Movimento Viva Brasil, afirma que os criminosos não dependem desse mercado para se armar. O número elevado de armas com registro furtadas e roubadas, segundo ele, apenas demonstra o “nível elevadíssimo de insegurança no Brasil”.
DF EM PRIMEIRO LUGAR NO RANKING
Considerando a quantidade de armas registradas de 2004 a 2015, o Distrito Federal está em primeiro lugar, proporcionalmente à população, com um registro para 420 habitantes, seguido pelo Acre (um para 444) e por Santa Catarina (um para 478). Não significa, porém, que todas as armas cadastradas no período ainda estão ativas. Mas o dado é capaz de apontar quantas peças já entraram no mercado legal, em cada estado, desde que o Estatuto do Desarmamento entrou em vigor.
O Estado do Rio acumula 12.610 registros concedidos ao longo do período analisado, média de um para 1.313 habitantes, segundo dados da população divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Bene Barbosa considera que o DF fica no topo da lista especialmente devido ao perfil econômico elevado da capital federal. Devido às taxas que têm de ser pagas, afirma ele, ter arma no Brasil tornou-se algo caro:
— São pagamentos que chegam a R$ 1 mil ou mais, além do preço da própria arma, da munição. Penaliza muitas vezes quem realmente precisa, porque mora em local violento, mas não tem dinheiro para solicitar.
O Exército informou ter, até 8 de junho deste ano, 811.441 armas registradas no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), que controla os artefatos das Forças Armadas, das polícias e dos bombeiros militares, da Agência Brasileira de Inteligência e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. As armas de fogo de colecionadores, atiradores e caçadores, além das pertencentes às representações diplomáticas, também fazem parte do Sigma. Já o Sistema Nacional das Armas (Sinarm), gerenciado pela PF, registra o armamento de civis.

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