quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Nem todo mal vem do petismo

Nem todo mal vem do petismo


Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Mansueto Almeida, Marcos Lisboa e Samuel Pessoa

No e-book “A riqueza da nação no século XXI”, Bernardo Guimarães apresenta, com verve e humor, a simplificação unidimensional que acompanha boa parte do debate sobre políticas públicas no Brasil.
A gestão petista, a partir de 2009, resolveu reeditar o modelo adotado no governo Geisel de concessão de benefícios e estímulos a setores selecionados da economia. No mundo unidimensional do atual governo, essas medidas são empacotadas como sendo de esquerda, apesar de beneficiarem alguns poucos grupos empresariais específicos.

O mundo unidimensional contamina igualmente alguns críticos do atual governo: a constatação de que existem problemas estruturais entre as causas da atual crise significaria defender a política econômica adotada desde 2009.

Nosso artigo publicado na “Folha de S.Paulo”, intitulado “O ajuste inevitável”, foi caracterizado por Guilherme Fiuza (em texto publicado no GLOBO de 1º de agosto) como uma defesa do governo petista melhor do que qualquer coisa que João Santana pudesse pensar. Confessamos que achamos graça e chegamos a ficar quase envaidecidos em passarmos por petistas empedernidos!

Se é verdade que boa parcela dos problemas pelos quais passamos é responsabilidade direta do desastroso regime de política econômica chamado pelo ex-ministro Guido Mantega de nova matriz econômica, como afirmamos dezenas de vezes nos últimos anos, também é verdade que nem todos os nossos problemas estruturais foram causados pelo petismo.

O nosso artigo destaca a preocupação com a insolvência do Tesouro Nacional. A dívida pública cresce mais do que a renda nacional, medida pelo PIB. O problema é agravado pela desaceleração do crescimento do PIB nos últimos anos, que é em boa parte consequência dos efeitos deletérios da nova matriz econômica sobre a produtividade.

Nosso artigo documenta que uma série de regras, critérios de elegibilidade e de valores de benefício resulta no crescimento automático do gasto público, como proporção do PIB, de 0,3 ponto percentual ao ano há mais de 20 anos. Mas o problema piorou nos últimos quatro anos com novos programas, concessão de novos subsídios e novas desonerações. Despesas anuais novas superiores a R$ 50 bilhões foram criadas.

O problema estrutural foi agravado pelas políticas adotadas nos últimos anos, mas deriva, sobretudo, das escolhas que temos feito na concessão de benefícios e privilégios nas últimas duas décadas.

A César o que é de César. Nem todos os males do Brasil começaram com o petismo, e boa parte dos problemas atuais decorre do atendimento das demandas de diversos grupos sociais, em muitos casos meritórias, ainda que incompatíveis com os recursos de que dispomos.

Nessa dimensão, a responsabilidade da crise atual é de todos nós. O que desejamos conceder de benefícios, isenções e transferências do setor público a indivíduos e empresas ultrapassa os recursos de que dispomos. A solvência das contas públicas requer o debate democrático sobre quais benefícios devem ser mantidos e quais devem ser revistos, tendo em vista as restrições fiscais. Caso contrário, o ajuste será imposto por meio de uma crise aguda.

O mundo unidimensional propõe o confronto em que a escolha é sempre fácil, com o inimigo bem delimitado, e o drama se reduzindo ao embate entre o bem e o mal. Infelizmente, a realidade tem o mau hábito de ser complexa, e a escolha, perturbadora, como a de Sofia.

Releia o artigo: O ajuste inevitável - ou o País que ficou velho antes de se tornar desenvolvido


Mansueto Almeida, Marcos Lisboa e Samuel Pessoa são Economistas. Originalmente publicado em o Globo em 5 de agosto de 2015.

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