quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Há que se reverter o rumo da guerra

Há que se reverter o rumo da guerra


Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Adriano Benayon

Não se pode mais ter dúvida de  que estamos em guerra, nem de que a estamos perdendo. Onde ela se trava? Obviamente, na economia. A inflação está em alta, e os juros na estratosfera são arma, não de defesa contra a inflação, mas, sim, de destruição em massa da economia.

A enorme desvalorização cambial, com o dólar a mais de R$ 3,50 (em 05/08), mostra a dimensão do descalabro, pois, em qualquer economia não corroída, altas taxas de juros implicariam valorização cambial.

O bombardeio destrutivo é lançado, não diretamente pelo inimigo, mas pela 5ª coluna a serviço deste. É ela que decreta as taxas de juros absurdas  e,  através delas, a falência múltipla do País, com a colossal dívida interna.

A desnacionalização da indústria, acelerada  desde 1955, já levara ao saqueio do  País  nos anos 90, por meio das privatizações,  e  o pretexto para isso foi a dívida externa, completamente fora  de controle já em  1982.  A origem foram as transferências das transnacionais e o consequente acúmulo de déficits com o exterior.

A essa altura as potências imperiais não precisavam mais do regime  militar, cuja política financeira era submissa ao sistema financeiro “internacional”, mas tinha bolsões nacionalistas. Aproveitaram os anseios democratizantes da maioria da nação e comandaram a formação das  instituições que viabilizaram radicalizar a desnacionalização da economia brasileira, inclusive a Constituição de 1988.

Isso lhes permitiu, paralelamente à pilhagem das privatizações, ir inflando a gigantesca dívida interna, que agora serve para entabular nova fase de saqueio acelerado do patrimônio público do País.

Esta fase, tal como a dos anos 90, é movida pela corrupção e pretexta moralidade para varrer do mapa a Petrobrás, a única mega-estatal, que escapara de ser totalmente alienada durante a ofensiva entreguista do Executivo  “eleito” após a farsa do Plano Real (1994).

Estão também marcadas para morrer as empresas nacionais de engenharia, o último bastião estratégico do empresariado nacional dotado de dinamismo tecnológico.

O Estado brasileiro, dominado por interesses monopolistas dos carteis transnacionais, ao contrário  dos Estados sedes desses carteis, age contra as empresas controladas por seus nacionais.

É como se empobrecer o País fosse meta constitucional. Visto de outro modo, as instituições pátrias estão fora do controle do governo.

O sistema da dívida – de há muito montado pelo sistema financeiro mundial -  perpetua e agrava a abissal desigualdade entre as potências centrais e os países que, como o Brasil, vêm sendo submergidos na periferia.

A partir do colapso financeiro (2007/2008), dos grandes bancos capitaneados pela oligarquia,  ficou ainda mais patente que antes, que eles contam com todo o poder daquelas potências.

Quando controladores e executivos dos bancos da oligarquia se locupletaram ainda mais, através de fraudes, e, assim, os abalaram, através dos derivativos, os governos e as instituições financeiras  mundiais os capitalizaram, dando-lhes dezenas de trilhões de dólares, inclusive novos títulos em troca de títulos podres.

É diferente em relação aos países marcados para ser vitimados. É guerra, disfarçada como “austeridade”: programas de demolição econômica prescritos pelos fraudadores, que nem tomam conhecimento das auditorias de dívida, e os impõem via terrorismo: não adotar esses programas implica sanções descritas como letais para os recalcitrantes.

O  mais grave é que, nessa guerra, as potências imperiais confiam em seu poder, e  isso não se dá do outro lado. No Brasil,  por exemplo, investem, há mais de um século, na corrupção, desinformação e alienação das classes e corporações influentes: as forças estão dispersas e falta, mais que tudo, visão  estratégica e até da realidade.

O indispensável conhecimento sobre o adversário,  recomendado  por Sun Tsu, exige  entender que nada há a ganhar das potências imperiais e que todo acordo com elas conduz à ruína. Só há esperança sem ele.

Observadores honestos, com experiência em instituições-chave do poder imperial, confirmam-lhe  a estrutura  oligárquica e totalitária.

Entre  esses,  Karen  Hudes,  durante vinte  anos, assessora jurídica do Banco Mundial. Ela verificou a coesão, regida pelas famílias dominantes da oligarquia, entre: grandes bancos comerciais e de investimentos, empresas gigantes, Banco Mundial e FMI, bancos centrais, coordenados no Banco de Liquidações Internacionais, sediado em Basel, Suiça; além disso, sua ascendência conjunta sobre os governos.

Hudes não omite a observação essencial, de que a dívida é a ferramenta principal para escravizar nações e governos. Estas são suas palavras:

"Querem que sejamos todos escravos da dívida, querem ver todos os nossos Governos escravos da dívida e que todos os nossos políticos sejam adictos das gigantes contribuições financeiras que eles canalizam nas suas campanhas. Como a elite também é dona de todos os principais meios de informação, esses meios nunca revelarão o segredo de que há algo fundamentalmente errado na maneira como funciona o nosso sistema”.

Os economistas mais citados e entrevistados pela grande mídia ajudam a fomentar a falsa crença em que os juros altos e demais instrumentos  da política  de arrocho  seriam aceitáveis diante da crise, e não, agravadores dos males estruturais que assolam a economia.

Estarrece-me que os sensatos, que rejeitam a aplicação abusiva de teorias em contextos diferentes do de seus pressupostos, se limitem a refutá-la somente à luz da macroeconomia, sem  apontar que o Brasil só poderá ser tirado  do  pântano através de profundas medidas estruturais, como  as  delineadas no artigo “Prosperar  ou sucumbir”.

Não me parece  razoável, dadas as mazelas do subdesenvolvimento incorporadas à economia brasileira por obra do modelo dependente, esperar sejam sanados através da desvalorização cambial os problemas decorrentes da baixa produtividade, nem que a sobrevalorização do câmbio tenha sido causa primordial dos desequilíbrios causadores da presente crise.

O País não tem mais setor público nem privado. Ambos têm de ser recriados. O primeiro, com grandes empresas, sob princípios administrativos baseados no mérito, e substanciais investimentos em tecnologias para as infraestruturas e indústrias de base, inclusive no âmbito das Forças Armadas.

Ao lado da  fabulosa expansão dos empregos qualificados decorrente disso, despontará  comparável crescimento  no setor privado, em que o teste do mérito tem de ser feito no mercado em estrutura de concorrência.

Quem mostrar qualificações  para agir produtivamente e trazendo tecnologias de interesse nacional e social, terá o financiamento,  podendo-se absorver incontáveis técnicos e empresários brasileiros e até estrangeiros.

Não devem, é claro, ser admitidos carteis das grandes transnacionais, que já estão aqui na função de parasitas dos sobrepreços aos clientes e dos  subsídios governamentais, além de abusarem do superfaturamento das despesas.

Havendo  a desnacionalização  feito da indústria  um fardo para o País, em lugar de um ativo - e disso são exemplos as montadoras - é incrível não reconhecer a necessidade de  reformulá-la de modo compatível com o desenvolvimento econômico e social.

Eliminada a chantagem do sistema da dívida, não haverá problema algum de recursos financeiros para investir. Basta macroeconomia decente, sem as letais taxas de juros que os inimigos do País representados por todos os partidos, a serviço das potências imperiais, infligem ao Tesouro Nacional. 

Se prosseguir o atual andar da carruagem, a situação não demorará a ficar muitíssimo pior, porque a inércia do subdesenvolvimento é muito maior aqui, e porque a altura das taxas de juros não tem termo de comparação nem com as mais absurdas da própria periferia europeia. 

Os juros altos são a droga altamente tóxica que o sistema usa para cobrir os déficits externos, os quais só podem ser afastados (e sem problemas) através das correções estruturais. Curioso que os críticos, inclusive de esquerda, não ousem dar um pio a respeito.


Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.

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