Astrônomos identificam origem de
partícula que pode ajudar a contar a história do Universo
© Icecube/NSF O telescópio
IceCube, instalado no Polo Sul e em operação desde 2010, detectou a fonte de
neurotrinos de alta energia
Uma nova era de pesquisas especiais se inaugura
nesta quinta-feira. Isso porque uma equipe internacional de astrônomos descobriu
a fonte de neutrinos de alta energia encontrados no Polo Sul - e esta partícula
misteriosa abre uma oportunidade para contar a história e esclarecer enigmas do
próprio Universo.
A descoberta está na edição desta quinta da
revista Science e foi divulgada em coletiva de imprensa na
sede da National Science Foundation, em Alexandria, Virginia (EUA).
"Neutrinos de alta energia realmente nos
fornecem uma nova janela para observar o Universo", comenta o físico
Darren Grant, da Universidade de Alberta, em entrevista à BBC News Brasil.
Grant é um dos mais de 300 pesquisadores de 49
instituições que integram o grupo IceCube Collaboration - responsável pela
descoberta. "As propriedades dos neutrinos fazem deles um mensageiro
astrofísico quase ideal. Como eles viajam de seu ponto de produção praticamente
desimpedidos, quando são detectados, podemos analisar que eles transportaram
informações de sua origem."
Os neutrinos são partículas subatômicas
elementares, ou seja, não há qualquer indício de que possam ser divididas em
partes menores. São emitidos por explosões estelares e se deslocam praticamente
à velocidade da luz.
Instalado no Polo Sul e em operação desde 2010, o
IceCube é considerado o maior telescópio do mundo - mede um quilômetro cúbico.
Levou dez anos para ser construído e fica sob o gelo antártico.
O IceCube consiste em um conjunto de mais de 5 mil
detectores de luz, dispostos em uma grade e enterrados no gelo. É um macete
científico. Quando os neutrinos interagem com o gelo, produzem partículas que
geram uma luz azul - e, então, o aparelho consegue detectá-los. Ao mesmo tempo,
o gelo tem a propriedade de funcionar como uma espécie de rede, isolando os
neutrinos, facilitando sua observação
Partícula é segredo do Universo
Desde a concepção do projeto, os cientistas tinham
a intenção de monitorar tais partículas justamente para descobrir sua
origem. A ideia é que isso dê pistas sobre a origem do próprio Universo. E é
justamente isso que eles acabam de conseguir.
Os pesquisadores já sabem que a origem de neutrinos
observados na Antártica são um blazar, ou seja, um corpo celeste altamente
energético associado a um buraco negro no centro de uma galáxia. Este corpo
celeste está localizado a 3,7 bilhões de anos-luz da Terra, na Constelação de
Órion.
"Eis a descoberta-chave", explica Grant.
"Trata-se das primeiras observações multimídia de neutrinos de alta
energia coincidentes com uma fonte astrofísica, no caso, um blazar. Esta é a
primeira evidência de uma fonte de neutrinos de alta energia. E fornece também
a primeira evidência convincente de uma fonte identificada de raios
cósmicos."
© DESY/Science Communication Lab Emissão das
partículas subatômicas elementares encontradas no Polo Sul vem de um corpo
celeste localizado a 3,7 bilhões de anos-luz da Terra, na Constelação de Órion
Conforme afirma o físico, a novidade é a
introdução, no campo da astronomia, de uma nova habilidade para "ver"
o universo. "Este é o primeiro passo real para sermos capazes de utilizar
os neutrinos como uma ferramenta para visualizar os processos astrofísicos mais
extremos do universo", completa Grant.
"À medida que esse campo de pesquisa continua
se desenvolvendo, também deveremos aprender sobre os mecanismos que impulsionam
essa partículas. E, um dia, começaremos a estudar essa partícula fundamental da
natureza em algumas das energias mais extremas imagináveis, muito além daquilo
que podemos produzir na Terra."
"Esta identificação lança um novo campo da
astronomia de neutrinos de alta energia, e esperamos que traga avanços
emocionantes em nossa compreensão do Universo e da física, incluindo como e
onde essas partículas de energia ultra-alta são produzidas", afirma o
astrofísico Doug Cowen, da Universidade Penn State. "Por 20 anos, um dos
nossos sonhos era identificar as fontes de neutrinos cósmicos de alta energia.
Parece que finalmente conseguimos."
Mapeando o desconhecido
Foram décadas em que astrônomos de todo o mundo
procuraram detectar os chamados neutrinos cósmicos de alta energia, em
tentativas frustradas de compreender onde e como essas partículas subatômicas
são geradas com energias de milhares a milhões de vezes maiores do que as alcançadas
no planeta Terra.
O IceCube conseguiu detectar pela primeira vez
neutrinos do tipo em 2013. A partir de então, alertas eram disparados para a
comunidade científica a cada nova descoberta. A partícula-chave, entretanto, só
veio em 22 de setembro de 2017: o neutrino batizado de IceCube-170922A, com a
impressionante energia de 300 trilhões de elétron-volts demonstrou aos
cientistas uma trajetória.
"Apontando para um pequeno pedaço do céu na
constelação de Órion", relata a astrofísica Azadeh Keivani, da Universidade
Penn State, coautora do artigo publicado pela Science. Tão logo a
partícula foi identificada, de forma coordenada e automatizada, quatorze outros
observatórios do mundo passaram a unir esforços para identificar sua origem,
com telescópios de espectroscopia nuclear e observações de raio-X e
ultravioleta.
© Universidade Penn State/AMON/Nate
Follmer Quando os neutrinos interagem com o gelo, produzem partículas que
geram uma luz azul, segundo os astrônomos
Todos os dados gerados foram analisados pelo grupo
internacional de cientistas até a conclusão de que a fonte era o buraco negro
supermassivo a 3,7 bilhões de anos-luz da Terra.
Essa distância do planeta significa que as
informações carregadas pelo neutrino são de 3,7 bilhões de anos atrás, supondo
que o mesmo tenha viajado à velocidade da luz. Nesse ponto, compreender tais
propriedades é como olhar para os confins do passado do Universo - atualmente,
acredita-se que o Big Bang tenha ocorrido há 13,8 bilhões de anos.
Após concluir a origem do neutrino IceCube-170922A,
os cientistas vasculharam os dados arquivados pelo detector de neutrinos e
concluíram que outros 12 neutrinos identificados entre 2014 e 2015 também eram
oriundos do mesmo blazar. Ou seja: há a possibilidade de comparar partículas
com a mesma origem, aumentando assim a consistência da amostra.
© Universidade Penn State/AMON/Nate
Follmer Telescópios de espectroscopia nuclear e observações de raio-X e
ultravioleta foram usados para identificar a origem da partícula
De acordo com os cientistas do IceCube, essa
detecção inaugura de forma incontestável a chamada "astronomia
multimídia", que combina a astronomia tradicional - em que os dados
dependem da ação da luz - com novas ferramentas, como a análise dos neutrinos
ou das ondas gravitacionais.
"É um campo novo, empolgante e veloz. Que
proporciona aos pesquisadores novos insights sobre a maneira como o Universo
funciona", analisa o astrofísico Phil Evans, da Universidade de Leicester.