sábado, 1 de agosto de 2015

Guerrilha do Araguaia: reconhecendo a insensatez

Guerrilha do Araguaia: reconhecendo a insensatez

José Genoíno preso no Araguaia

Quando as massas não estão dispostas a empreender a luta armada, não basta que o partido esteja”.(Chou-En-Lai)

Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S. Azambuja

O texto abaixo, escrito com base no livro “Pedro Pomar, uma Vida em Vermelho”, de autoria de Wladimir Ventura Torres Pomar, editado no final de 2003, expõe as avaliações dos membros da Comissão Executiva do Partido Comunista do Brasil quando da reunião realizada em dezembro de 1976, em uma casa no bairro da Lapa, em São Paulo, a qual, após três dias de discussões – 11 a 14 de dezembro –, foi desmantelada pela Polícia. Na ocasião, morreram João Batista Franco Drumond, Pedro Pomar e Ângelo Arroio. Outros dirigentes foram presos: Elza Monerat, Haroldo Borges Rodrigues Lima, Aldo da Silva Arantes e Wladimir Ventura Torres Pomar. João Amazonas não participou por ter viajado para a Albânia. José Gomes Novais e Manoel Jover Telles não foram presos por terem abandonado o “aparelho” antes da chegada da Polícia.

A discussão sobre a “experiência” do Araguaia ficou restrita ao selecionado grupinho que compunha o núcleo dirigente. O assunto só seria levado ao Comitê Central quando a discussão dos motivos que levaram ao fracasso da “experiência” chegasse ao seu final. Nesse sentido, o Comitê Central bem como o conjunto partidário ficaram totalmente marginalizados das discussões que envolveram uma tática militar contraditória por natureza (defensiva, ao ordenar o recuo, e ofensiva, ao exigir os fustigamentos).

A derrota no Araguaia não ensinou nada a “Cid” (João Amazonas) e a “Jota” (Ângelo Arroio). Teimavam em não reconhecer o significado da “experiência” no Sul do Pará. Achavam que as condições objetivas para o desencadeamento da violência armada continuavam maduras. Aceitavam apenas a existência de erros militares e táticos, facilmente evitáveis no futuro. Queriam começar tudo de novo, do mesmo jeito.o encaminhamento prático da preparação armada e, ao final, do seu fracasso. Tudo ficou a cargo da Comissão Executiva, desde o início.

Recorde-se que logo depois que “Jota” (Ângelo Arroio) retornara do Araguaia para São Paulo, após desertar, no início de 1974, informou detalhadamente à Comissão Executiva todos os acontecimentos, com um relatório factual cru, no qual se destacava, com realismo, o retrato da derrota e dos erros cometidos. Anteriormente, Pedro Pomar, também membro da Executiva, em um documento crítico denominado “Relatório Pomar”, assinalou nunca ter entendido como o “Comando Militar” da Guerrilha declarou-se “Forças Guerrilheiras do Araguaia” sem saber exatamente como estavam seus três Destacamentos. 

Os problemas de avaliação dos erros cometidos no Araguaia envolveram um aspecto extremamente sensível e importante, cujo tratamento merecia cuidados especiais. Não se podia jogar fora todo o idealismo, desprendimento e o exemplo dos mais de 60 jovens que haviam morrido lá. Os erros tinham sido de tal ordem, e alguns tão estúpidos, que era preciso um esforço redobrado para não cair no mais puro negativismo e para não desdenhar a experiência fatal vivida por aquele grupo de companheiros. Essa era a opinião crítica de Pedro Pomar.

O Araguaia foi derrotado de uma forma arrasadora e não havia como fugir desse fato. A derrota se tornara inevitável porque as condições políticas eram desfavoráveis, o movimento camponês era fraco e o programa da Guerrilha não passara de um inventário (João Batista Franco Drumond – “Evaristo”).
“A Guerrilha do Araguaia não passou de uma experiência foquista e voluntarista. Criticávamos e combatíamos o foquismo urbano, mas praticamos o foquismo rural, na errônea suposição de que as massas nos seguiriam, como um rebanho que segue o pastor. Definir as áreas de luta armada e de luta de massas não dependia por inteiro do partido. Teria que ser um processo que só poderia ocorrer passo a passo, dependendo da evolução da luta de massas e não dos desejos do partido. Então, seria preciso acabar com o voluntarismo, com a idéia de que os revolucionários poderiam tutelar as massas. Desde 1968 vinha externando a minha opinião de que a linha de preparação no Araguaia era foquista, militarista e voluntarista... e a ditadura manteve uma cortina de silêncio impenetrável sobre os acontecimentos jogando por terra a suposição de que a repercussão da luta teria um efeito avassalador sobre o espírito de combate do povo. A partir do início das hostilidades – abril de 1972 - em pouco menos de um ano, os órgãos repressivos da ditadura tinham conseguido desbaratar boa parte da direção do partido e impedir qualquer apoio das cidades à Guerrilha” (Wladimir Ventura Torres Pomar – “Valdir”).

Manoel Jover Telles (“Rui”) por sua vez, teceu duras críticas ao “Relatório Arroio” e aos seus referenciais. Disse ser verdade existirem posições comuns na Comissão Executiva em favor da violência armada e do papel da direção do partido. Mas isso foi subestimado no Araguaia. “Isso exigia uma avaliação mínima e reconhecer que perdemos”. Prosseguiu “Rui” afirmando que “o Araguaia foi uma estupidez, um erro colossal, seja do ponto de vista político, seja do ponto de vista militar. Não é mais possível ficar compactuando com esse erro e ficar enganando os militantes, nem os simpatizantes e nem o povo. Já há elementos suficientes para concluirmos a avaliação, acabarmos com a conciliação e tirar uma decisão forte a respeito”.

Apenas três membros da Executiva defenderam a “experiência”: “Cid” (viajando para a Albânia), “Jota” e “Maria” (Elza Monerat).
“Jota” insistiu no que havia escrito em seu relatório, assinalando que o partido deveria ter sido informado de que sofremos uma “derrota temporária”. “Sofremos uma derrota, mas apesar disso ganhamos as massas...”. Jota”sugeria ser possível retomar a luta. 

Pedro Pomar (“Mario”), no entanto, afirmava que a derrota não havia sido temporária e mesmo que fosse possível retomar o processo armado iniciado em 1972, o lapso de tempo havia se tornado tão grande, as condições apresentavam-se de tal modo distintas e havia tantos outros fatores novos, que essa retomada não seria no mesmo nível e nem se identificaria com o processo anterior, embora os personagens pudessem ser os mesmos: mata, massa, partido e tropas inimigas. Aduziu que o maior erro, o mais negativo da “experiência” do Araguaia foi que a conquista política das massas não pode ser efetuada só depois da formação do grupo guerrilheiro. Tampouco este não deve ser constituído única e exclusivamente de comunistas. Para Pedro Pomar os documentos e as resoluções do partido eram cristalinos: a guerra popular é uma guerra de massas; a guerrilha é uma forma de luta de massas. Para iniciá-la, mesmo que a situação esteja madura, impõe-se que os combatentes tenham forjado sólidos vínculos com as massas. Os três aspectos – trabalho político de massas, construção do partido e violência armada – são inseparáveis e o partido, isto é, o político, é o predominante. E concluiu: “Aliás, qualquer grupo que tenha condições de constituir-se em destacamento armado, para depois ganhar as massas, com mais razão e facilidade poderá primeiro ganhar as massas, já que, como ensina a sabedoria popular, quem pode o mais, pode o menos”.

Zé Antonio” (Haroldo Borges Rodrigues Lima) lembrou que no processo de unificação da Ação Popular com o PC do B, desde 1973, haviam questionado as informações, ou a falta de informações, sobre a Guerrilha no Araguaia. Somente quando parte da direção da AP, em virtude do processo de fusão, foi incorporada à Comissão Executiva e ao Comitê Central do PC do B, é que vieram a tomar conhecimento do desastre, mesmo assim só no âmbito da Executiva. “Foi diante da impossibilidade de chegar a um consenso na Executiva que a discussão fora levada para o Comitê Central, em 1975. E parece que continuamos no impasse. Há consenso de que a guerrilha foi derrotada, mas não há consenso sobre a natureza da derrota e dos erros que a causaram. Porém, à medida que fui tomando conhecimento dos detalhes da preparação e das decisões adotadas pelo comando da Guerrilha, fui me dando conta de que os problemas de ordem política eram mais sérios e profundos e que os desvios foquistas possuíam uma abrangência muito maior. Concordamos todos que a luta armada é o caminho, mas nos defrontamos, do ponto de vista da prática, com propostas antagônicas. O partido simplesmente não tem forças para montar um novo dispositivo do tipo do Araguaia (conforme a sugestão do Relatório Arroio) a não ser que transfira para a área prioritária a maior parte dos membros do CC e dos Comitês Regionais”.

Dias” (Aldo Arantes) disse estar convencido de que os erros cometidos no Araguaia não foram apenas militares, mas fundamentalmente políticos. E o seu foquismo não era apenas um simples desvio na preparação e execução da linha política, mas uma concepção predominante na própria linha aplicada, diferentemente da que era propugnada no texto “Guerra Popular”.

Jorge” (José Gomes Novais) disse concordar com a argumentação de “Valdir” nas questões-chave do trabalho de massas e do movimento camponês. “Sem o partido aprender a fazer corretamente o trabalho de massas e sem aprender a se enfronhar no movimento camponês, será muito difícil que consiga realizar qualquer trabalho sério e efetivo de luta armada”.

Um breve balanço desses dois dias de discussões, feito por Pedro Pomar, concluiu que a maioria considerou a “experiência” do Araguaia um grande acontecimento na vida do país e que, apesar de tudo, foi positiva (sic), com exceção de “Valdir” e “Sérgio” (Péricles dos Santos Souza), ausente da reunião, que avaliaram a luta do Araguaia como um desastre político e militar. A maioria, todavia, concluiu que a linha seguida no Araguaia foi contrária à orientação traçada no documento “Guerra Popular”, embora nem todos estivessem de acordo com a caracterização de práticas foquistas e blanquistas.

Em dezembro de 1974, época em que não mais existia qualquer guerrilha, o jornal “Araguaia”, do partido, noticiou que a guerrilha estava consolidada e implantada... A partir daí a discussão na Executiva esquentou. Inclusive Ângelo Arroio achou que aquilo já era demais e decidiu-se levar a discussão em aberto para o Comitê Central. Ainda assim, em janeiro de 1975, “A Classe Operária” publicou que a guerrilha empreendera uma nova campanha... Em março, o “Brasil Notícias”, também editado pelo partido, informou que a guerrilha continuava... Em abril, “A ClasseOperária” comemorou os três anos da luta guerrilheira com um texto que dava a entender que a guerrilha permanecia firme, apesar dos problemas... E nessa mesma época, em Paris, o “comandante Lobo” (Diógenes de Arruda Câmara), munido pelas informações que João Amazonas lhe enviava, deu uma entrevista afirmando que a guerrilha libertara uma superfície superior à da França!

Em outubro de 1978, na VII Conferência Nacional do PC do B, realizada na Albânia, João Amazonas responsabilizou informalmente Pedro Pomar pelo liberalismo de haver alugado a casa da Lapa onde a Executiva se reuniu – o que não é verdade, pois Pomar foi levado à casa de olhos vendados – e acusou os quatro dirigentes que foram presos de “haverem falado tudo”. Com isso, conseguiu que a Conferência os destituíssem sem sequer ouví-los. 
Essa Conferência também encerrou o relacionamento entre o PC do B e o Partido Comunista Chinês, que foi acusado de “revisionista”.

Diógenes de Arruda Câmara, posteriormente em Roma, continuou a repetir que os presos da Lapa “haviam falado tudo” e que um dos dirigentes, “desaparecido” (Manoel Jover Teles), certamente estaria morto. Posteriormente, o próprio partido reconheceu que Manoel Jover Teles estava vivo e que havia sido ele quem cooperara com a chamada “repressão” para o desmantelamento da reunião da Lapa! Foi, então, expulso do partido.

Ainda em agosto de 1976 a Comissão Executiva aprovou o documento “Gloriosa Jornada de Luta”. Segundo esse documento, o apoio das massas à guerrilha falava mais alto do que as palavras: um terço do Destacamento A era composto por filhos do lugar, assim como um quarto do Destacamento B. Dessa forma, sem dar-se conta, de uma só penada, a Executiva desmentia os dados do Relatório Arroio! O documento também assegurou que os terroristas mantiveram-se em armas por quase três anos, sem considerar que, de abril de 1972 até dezembro de 1973, quando a guerrilha perdeu qualquer capacidade operacional devido à morte dos membros do Comando Militar, haviam decorrido menos de dois anos!

Em seguida, de 1980 em diante, os dirigentes que continuavam exigindo uma avaliação conclusiva sobre a “experiência” do Araguaia foram expulsos do partido. A partir daí, o partido jogou no lixo, sem maiores explicações, suas avaliações sobre a existência de uma situação revolucionária, arquivou a idéia de qualquer perspectiva de violência armada e integrou-se à campanha das Diretas Já!

Somente em fevereiro de 1983, durante o seu VI Congresso, mais de seis anos depois dos acontecimentos da Lapa, foi aprovado um relatório responsabilizando Manoel Jover Teles pelos acontecimentos de então. O documento considerou-o um traidor e expulsou-o novamente do partido. Quanto à guerra popular, a direção do partido voltou a afirmar que a derrota do Araguaia ocorreu por insuficiências e desacertos de natureza estritamente militares.

Em 1985 o partido foi tornado legal pela Justiça Eleitoral.

Em 1990, o PC do B ainda considerava que apenas a Albânia se mantinha fiel às idéias revolucionárias. Mas após a crise do socialismo naquele país, rompeu com o Partido do Trabalho albanês e viu-se na contingência de iniciar, em 1992, a crítica a Stalin e o realinhamento com a China, Vietnã, Cuba e Coréia do Norte, dando fim à teoria das duas etapas da revolução e passando a lutar pelo socialismo como objetivo estratégico.

Uma AUTOCRÍTICA NECESSÁRIA sobre a “experiência” do Araguaia, que levou à morte alguns dos melhores quadros do partido e cerca de 60 jovens, nunca foi feita.


Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

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