CIENTISTA POLITICO AMERICANO DIZ QUE INVESTIGAÇÃO CONTRA LULA PODE SER EXEMPLO PARA O MUNDO
A abertura de uma investigação no Ministério Público Federal do Distrito Federal para apurar se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva praticou tráfico de influência após ter deixado o governo quase não encontra paralelo em outros países, o que demonstra como o relacionamento entre ex-líderes e grandes empresas se situa numa zona legal cinzenta, dizem especialistas em corrupção ouvidos pela BBC Brasil.
A investigação refere-se à suposta atuação de Lula em favor da construtora Odebrecht em contratos internacionais financiados pelo BNDES. O Instituto Lula, do ex-presidente, nega haver irregularidades em suas atividades.
Alejandro Salas, diretor de Américas da Transparência Internacional, disse que o fato de o Brasil ser uma das maiores economias mundiais, ter destaque na comunidade internacional e de Lula ser personalidade importante podem fazer com que a investigação sirva de modelo.
“Seria um enorme exemplo para o mundo. Pode realmente ser o começo de novas regulações e controles”, disse ele à BBC Brasil.
“Há sempre um problema no fato de um ex-presidente usar seus contatos, seu poder, para ajudar determinados interesses, isso em si já traz implicações éticas.”
Segundo o cientista político Michael Johnston, professor da Colgate University, em Nova York, a investigação é “incomum”, mas pode servir de modelo.
“O Brasil é observado muito atentamente, e estamos falando de um personagem muito poderoso e de uma investigação que ocorre em um momento crucial no desenvolvimento do país”, diz.
“Não quero julgar as alegações contra Lula, mas (a investigação) pode servir como uma lição para outros investigadores ao redor do mundo.”
“É muito incomum o fato de haver uma investigação… Na maioria dos casos, ex-líderes são investigados por atos cometidos enquanto estavam no poder, mas não por ações após deixarem o cargo.”
Além desta investigação, a Odebrecht – a maior construtora do Brasil – é alvo da Operação Lava Jato, da Polícia Federal, que investiga um suposto esquema de corrupção na Petrobras.
O presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, está preso e foi denunciado à Justiça por crimes que teriam sido cometidos contra a estatal. A defesa nega que ele tenha participado das irregularidades.
“Mas a diferença no caso de Lula, caso a investigação prove que é culpado, é que não está apenas fazendo isso, mas está fazendo isso para apoiar empresas corruptas a fazerem negócios corruptos”, disse Salas, da Transparência Internacional.
‘Comportamento comum’
O fato de não provocarem investigações formais não significa que as relações entre ex-líderes e grandes empresas sejam incomuns ou isentas de polêmica.
“É um comportamento muito comum entre ex-chefes de Estado”, disse David Rothkopf, editor da revista Foreign Policy e autor de livros sobre as relações entre empresas e governos.
Ele cita o ex-chanceler alemão Gerhard Schröder, cuja atuação na empresa de energia russa Gazprom após deixar o governo foi alvo de controvérsia.
Outro exemplo é o ex-presidente americano Bill Clinton e sua Clinton Global Initiative. A polêmica em torno das ações de Clinton é agravada pelo fato de sua mulher, Hillary, ter atuado como secretária de Estado e atualmente ser a favorita democrata na corrida presidencial americana.
“Ele deu palestras para empresas e acompanhou líderes de empresas a outras partes do mundo onde sua influência pode ter ajudado essas empresas a fecharem negócios”, observa Rothkopf.
O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair também gerou controvérsia por suas ligações com empresas e negócios com governos do Oriente Médio enquanto era enviado especial do Quarteto – grupo formado por ONU, União Europeia, Estados Unidos e Rússia para mediar o conflito entre Israel e Palestina.
“A questão é se estão fazendo algo ilegal ou antiético. E isso deve ser determinado caso a caso, com base nas leis de cada país”, diz Rothkopf.
Para Johnston, há uma certa noção de que ter ocupado um cargo público deve servir como um bilhete para enriquecer.
“Parece haver um tipo de elite internacional que acha que tem o direito de enriquecer depois de deixar seus cargos no governo”, critica Johnston.
“É ético? Muito do que ocorre não passaria no teste de percepção. Essas pessoas devem cair na obscuridade após deixar o poder? Não, elas têm experiência e conhecimentos valiosos. Devem monetizar esses ativos que lhes foram conferidos pelo povo? Acho que não.”
“Quando deixam o poder, entram nesse tipo de terreno parte público, parte privado de transações internacionais, onde não há regras claras. Qual a diferença entre suborno, taxa de consulta ou contribuição? Pode ser difícil definir.”
FONTE: BBC
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