domingo, 15 de março de 2015

O que os BRICS plus Alemanha estão cozinhando?

O que os BRICS plus Alemanha estão cozinhando?

05.03.2015 01:29
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Winston Churchill disse certa vez "Sem uma guerra, sinto-me solitário". Também lastimava muito perder impérios. O sucessor de Churchill - o 'Império do Caos' - enfrenta agora o mesmo dilema. Algumas guerras - como na Ucrânia, guerreada à distância, guerra por procuração - não vão lá muito bem.
27/2/2015, Pepe Escobar, RThttp://rt.com/op-edge/236219-russia-china-germany-trade-axis/
E a perda do império deixa-se ver cada vez mais claramente em inúmeros movimentos feitos por jogadores seletos, na direção de criar mundo multipolar.

Que ninguém se surpreenda, pois, de a Think-tankelândia nos EUA estar feito barata tonta, distribuindo 'previsões' piradas, com impressões digitais da CIA por todos os lados, segundo as quais a Rússia está(ria) em processo de desintegração, e a China está(ria)-se convertendo em ditadura comunista. Tanta 'lógica' desejante no império, tão pouco tempo para prolongar a hegemonia.

A sigla que as tais "previsões" não ousam revelar é BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). BRICS é pior que a peste, do ponto de vista dos 'Masters of the Universe' que realmente controlam o engripado sistema mundial ainda vigente. É verdade, os BRICS enfrentam muitos problemas. O Brasil no momento está paralisado; um processo longo, complexo, autodestrutivo, agora combinado com intimidações contra o regime, urdidas pelos fantoches locais manobrados pelo 'Império do Caos'. Demorará um pouco, mas o Brasil se recuperará.

De qualquer modo, sempre lá estão os "RIC" - Rússia, Índia e China - nos BRICS, como agentes-chaves de mudanças. Apesar das muitas discrepâncias que os interligam, todos concordam que não é preciso desafiar diretamente o hegemon, enquanto avançam para uma nova ordem multipolar.

O Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS [orig. New Development Bank (NDB)], alternativa-chave ao FMI para capacitar as nações em desenvolvimento a livrarem-se do dólar norte-americano como moeda de reserva - estará operante à altura do final de 2015.  O Novo Banco NDB financiará projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável, não só nos países BRICS, mas também em outros países em desenvolvimento. Esqueçam o Banco Mundial controlado pelo ocidente, cujo capital e capacidade de empréstimo não são nunca aumentados pelas chamadas "potências" ocidentais. O Novo Banco NDB será uma instituição aberta. Os países BRICS conservarão 55% do poder de voto, e fora do domínio deles nenhum país poderá ter mais de 7% dos votos. Crucialmente importante, contudo, é que países em desenvolvimento podem também associar-se e receber empréstimos.

Que se danem os malditos comunistas

Está em construção também uma entente cordiale tripartite. O primeiro-ministro da Índia Narendra Modi estará na China no próximo mês de maio - e essa 'Chíndia' com certeza trabalhará numa abertura que leve a equacionar e resolver suas ácidas disputas territoriais. Assim como Delhi tem muito a beneficiar-se de massivo investimento de capital e exportações chinesas, assim também Pequim quer beneficiar-se do vasto mercado e das competências tecnológicas da Índia. Paralelamente, Pequim já ofereceu ajuda econômica à Rússia - caso Moscou solicite -, além de toda a crescente parceria estratégica que já aproxima os dois países.

O tal "pivoteamento" dos EUA para a Ásia - lançado pelo Pentágono lá está, vestido para a festa, mas sem ter festa para onde ir. Acossar e provocar o sudeste da Ásia, o sul da Ásia e, para falar dele, também o leste da Ásia como um todo, para fazer de toda a região vassala do 'Império do Caos' - e, como se faltasse alguma coisa, desafiar a China - sempre foi péssima abordagem para qualquer 'abertura'. Para nem falar de acreditar no conto de fadas segundo o qual um Japão remilitarizado conseguiria 'conter' a China.

A conversa de isolar a "ditadura comunista" não decola. Considerem, por exemplo, a ferrovia para trens de alta velocidade entre Kunming, na província de Yunnan, e Cingapura, atravessando porção chave de um sudeste asiático que, para Washington, nunca seria mais ou melhor que um bando de estados-clientes. A emergente Ásia do século 21 é, toda, questão de interconexão; e o inexorável sol nessa galáxia é a China.

Com a China empenhada na conversão extremamente complexa do próprio modelo de desenvolvimento econômico, como delineei em "Ano da Cabra, Século do Dragão? Novas Rotas da Seda e a visão chinesa de um Bravo (Comercial) Novo Mundo", o monopólio chinês na manufatura de baixa qualidade e baixo preço - que foi sua base industrial anterior - está migrando por todo o mundo em desenvolvimento, principalmente em torno da bacia do Oceano Índico. Boas novas para o Sul Global - que inclui todos, de nações africanas como Quênia e Tanzânia, até partes do Sudeste da Ásia e América Latina.

Claro que o 'Império do Caos', especialista em negócios, não será cuspido para fora da Ásia. Mas seus dias como hegemon asiático, ou como máfia geopolítica vendendo "proteção', esses, acabaram.

remix chinês de Go West, Young Man[1] - de fato, vá para todas as partes do mundo - começou cedo, em 1999. Dos 10 maiores portos para contêineres do mundo, nada menos que sete estão na China (os demais estão em Cingapura, Rotterdam e Pusan na Coreia do Sul).

No que tenha a ver com o 12º Plano Quinquenal da China - cujo último ano é 2015 - a maioria dos objetivos das sete áreas tecnológicas nas quais a China queria alcançar posições de liderança foram atingidos e, em alguns casos, superados.

O Banco da China cada vez mais deixará o yuan flutuar livremente em relação ao dólar norte-americano. De vez em quando, jogará no mercado uma montanha de dólares norte-americanos ["dumping"]. A ligação com o dólar norte-americano, velha já de 20 anos, gradualmente se esgotará. A maior nação em comércio do planeta e a segunda maior economia não podem, simplesmente, manter-se ancoradas a uma única moeda. E Pequim sabe muito bem o quando viver ancorada ao dólar amplifica os choques externos, para dentro da economia chinesa.

Sykes-Picot é conosco

Também se desenvolverá um processo paralelo no sudoeste da Ásia: o desmonte dos estados-nação no Oriente Médio - como remixagem do acordo Sykes-Picot de há cem anos passados. Que flagrante contraste com a volta aos estados-nação na Europa.

Ouvem-se rumores de que o Sykes remixado seria Obama, e o Picot remixado seria Putin. Na verdade, não. É o 'Império do Caos' que está realmente atuando como neo-Sykes-Picot, diretamente e indiretamente reconfigurando o "Oriente Médio Expandido".  Ex-capo da OTAN general Wesley Clark "revelou" recentemente o que todos já sabiam: o Califato fakechamado ISIS/ISIL/Daesh é financiado por "aliados muito próximos dos EUA" 'tipo' Arábia Saudita, Qatar, Turquia e Israel. Compare-se, então, isso e o que disse o ministro de Defesa de Israel Moshe Yaalon, que admitiu que o ISIS  "não representa qualquer ameaça contra interesses israelenses." Daesh cuida, pelos EUA, de implantar o Sykes-Picot.

O 'Império do Caos' buscou ativamente a desintegração de Iraque, Síria e especialmente Líbia.[2] E o agora rei da Casa de Saud, "nosso" filho-da-puta-em-chefe, o rei Salman, nada mais é que o ex-recrutador-em-chefe de jihadistas para Abdul Rasul Sayyaf, o salafista afegão que foi o cérebro por trás de Osama bin Laden e do suspeito de ser a mente pensante por trás do 11/9, Khalid Sheikh Mohammad.

Isso é 'Império do Caos' em ação clássico (excepcionalistas não são bons em construção de nações, só em espatifamento de nações). E haverá muitas terríveis sequelas de nações espatifadas, dos -stões da Ásia Central até Xinjiang na China, para nem falar da infectada Ucrânia, codinome "Nulandistão".

Partes do Af-Pak podem bem se converter em ramo do ISIS/ISIL/Daesh bem ali, nas fronteiras de Rússia, Índia, China e Irã. Do ponto de vista de um 'Império do Caos', esse potencial banho de sangue nos "Bálcãs Eurasianos", - para citar o eminente russófobo Dr. Zbig "Grande Tabuleiro de Xadrez" Brzezinski - é a famosa "oferta irrecusável".

Rússia e China, entrementes, continuarão a apostar na integração eurasiana; fortalecer a Organização de Cooperação de Xangai e sua própria coordenação interna dentro dos BRICS; e usar muitos recursos de inteligência para sair à caça dos bandidos do Califa.

E por mais que o governo Obama esteja desesperado para obter um acordo nuclear final com o Irã, Rússia e China chegaram antes a Teerã. O ministro de Relações Exteriores da China Wang Yi estava em Teerã há duas semanas, dizendo que o Irã é uma das "prioridades de política externa" da China e de "grande importância estratégica". Antes do que muitos esperam, o Irã será membro da Organização de Cooperação de Xangai. A China já mantém muito ativo comércio com o Irã, bem como a Rússia - vendendo armas e construindo usinas nucleares.

Berlin-Moscou-Pequim?

É onde entra a pergunta germânica.

A Alemanha exporta hoje 50% do PIB. Em 1990, mal chegava a 24%. Ao longo dos últimos dez anos, metade do crescimento alemão dependeu de exportações. Tradução: aí está economia gigante que carece desesperadamente de mercados globais, para continuar a crescer. Uma União Europeia em dificuldades não se enquadra bem nesses planos.

As exportações alemãs estão mudando o endereço do destinatário. Só 40% - e diminuindo - vão hoje para a União Europeia; o crescimento real está na Ásia. Assim sendo, a Alemanha, na prática, está-se se afastando da eurozona. Não implica que a Alemanha pense em abandonar o euro; seria interpretado como imunda traição ao tão louvado "projeto europeu".

O que o quadro comercial revela é a razão do jogo duríssimo da Alemanha contra a Grécia: ou se rendem completamente, ou deixam o euro. O que a Alemanha quer é manter uma parceria com a França e dominar o leste da Europa como um satélite econômico, confiando na Polônia. Grécia, Espanha, Portugal e Itália, portanto, devem-se preparar para enfrentar um muro alemão de intransigência. Vale o mesmo para a "integração" europeia: só funciona enquanto é a Alemanha a ditar todas as regras.

A cavilha metida na engrenagem é que o fiasco duplo Grécia + Ucrânia está aí, cada dia mais, à vista de todos. Em matéria de hegemonia, a Alemanha é hegemon muito falhado - e isso ainda é dizer bem pouco. Berlin acordou de repente para a real, brotada do mais fundo dos pesadelos, possibilidade de guerra total, instigada pelos EUA, nas fronteiras do leste da Europa, contra a Rússia. Não surpreende que Angela Merkel tenha tido de voar às pressas para Moscou.

Moscou - diplomaticamente - venceu. E a Rússia novamente venceu quando a Turquia - farta de tentar unir-se à UE e sempre bloqueada por (e quem mais seria?) Alemanha e França - decidiu pivotear-se para a Eurásia, porque sim, ignorando a OTAN e aprofundando relações com ambas, Rússia e China.

Tudo isso aconteceu no quadro de uma grande mudança de jogo no Oleogasodutostão. Depois de Moscou ter espertamente negociado o retraçado do gasoduto Ramo Sul na direção do Ramo Turco, direto até a fronteira da Grécia, Putin e o primeiro-ministro da Grécia Alexis Tsipras também concordou com uma extensão de um gasoduto, da fronteira turca através da Grécia, até o sul da Europa. Assim, a Gazprom estará firmemente implantada não só na Turquia mas também na Grécia, a qual, ela própria, vai-se tornando altamente estratégica no Oleogasodutostão europeu.

Por tudo isso, mais cedo ou mais tarde a Alemanha terá de responder a um imperativo categórico - como manter ativados gordos superávits comerciais, ao mesmo tempo em que vai sufocando por dumping os seus próprios parceiros comerciais europeus. A única resposta possível é mais comércio com Rússia, China e Leste da Ásia. Demorará um pouco, e há buracos e lombadas pelo caminho, mas um eixo de comércio e negócios Berlin-Moscou-Pequim - no qual os "RC" dos BRICS encontram a Alemanha - é quase absolutamente inevitável.

Mas, não. Você não lerá nada sobre isso nas piradas "previsões" da Think-tankelândia dos EUA. 


[1] Título (literalmente, "Jovem, vá para o oeste!") de canção incluída no álbum "The First Decade 1983-1993" de Michael W. Smith, em http://www.vagalume.com.br/michael-w-smith/go-west-young-man.html [NTs].
[2] Sobre isso ver 22/2/2015, "Sete países em cinco anos", Observer, de The Vineyard of the Saker, traduzido emredecastorphoto [NTs].

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