O programa espacial secreto dos EUA
16/10/14 05:52
Muita gente ficou agitada com o retorno de um miniônibus espacial não-tripulado americano, o X-37B, após quase dois anos numa misteriosa missão em órbita. O que ele estaria fazendo lá? Bem, as respostas exatas estão escondidas em alguma pasta marcada como “top secret” nos arquivos do governo, mas já sabemos algumas coisas. A mais clara delas é que os Estados Unidos têm um avançado programa espacial militar, de natureza confidencial. E eles estão se preparando para futuras guerras no espaço.
Sua gestão fica sob os auspícios do Comando Espacial da Força Aérea americana, que desde 1999 tem a obrigação de estar pronto, caso requerido, a aplicar força além da atmosfera terrestre — conceito definido como a habilidade de realizar operações de combate no espaço, a fim de influenciar o curso e o desfecho de um conflito.
Essa nova diretriz, formulada pelo Departamento de Defesa americano ainda no governo Clinton, ganhou força com seu sucessor, George W. Bush, sobretudo após o 11 de setembro de 2001, e desde então não vimos nenhum sinal de arrefecimento. Naquela época, o Comando Espacial julgava razoável o estabelecimento de novas tecnologias de armamento espacial para uso a partir de 2010 e além. Pois bem. Não sei se você reparou, mas nós já passamos dessa data.
Pode apostar que o X-37B se encaixa nesses planos. Originalmente desenvolvido em 1999 pela gigante aeroespacial Boeing para a Nasa (agência espacial que cuida do programa civil americano), ele foi transferido para a DARPA (Agência de Projetos de Pesquisa Avançados de Defesa) em 2004 e ganhou o status de confidencial, além de ter sofrido modificações (o original, para uso civil, se chamava apenas X-37).
DICA: Você acha que o governo americano esconde ETs? Se interessa por esse tema? Baixe uma amostra grátis do meu novo livro, “Extraterrestres: Onde eles estão e como a ciência tenta encontrá-los”
Esta foi a terceira e mais longa das missões realizada pelos dois veículos X-37B da Força Aérea americana. A primeira (OTV-1), conduzida em 2010, durou 224 dias. A segunda (OTV-2), iniciada em 2011, consumiu 469 dias. A atual (OTV-3) bateu todos os recordes. Já são 22 meses no espaço. No lançamento, em 11 de dezembro, a Força Aérea dizia que a duração do voo seria de nove meses. O que o X-37B ficou fazendo lá em cima afinal?
Embora não diga o que é, o Comando Espacial já disse o que não é: os militares afirmam que não houve nenhum teste de armamento espacial durante a missão. Ou seja, felizmente ainda não chegamos na era “Guerra nas Estrelas” (não custa lembrar, mas, mesmo no auge da rivalidade entre americanos e russos, ninguém até hoje ousou dispor plataformas armadas no espaço).
Contudo, os militares americanos acreditam que essa era não tardará a chegar. A atual doutrina de defesa ianque considera a militarização do espaço inevitável, por uma razão muito simples: compensação assimétrica. Com armas no espaço, até mesmo um país meio pé-rapado militarmente poderia afundar os poderosos porta-aviões que sustentam o poderio militar americano no planeta. Ou seja, em vez de precisar de porta-aviões similares (e caríssimos) para estabelecer o equilíbrio de forças, uma nação inimiga poderia optar por um caminho diferente (e potencialmente mais barato) para chegar a esse objetivo.
Em 2001, o então major Austin Jameson, da Força Aérea americana, escreveu um artigo falando sobre as capacidades do X-37 e, em um dos capítulos, ele se pergunta logo no título: “Será o espaço o próximo Pearl Harbor?”
É uma referência ao ataque japonês que impulsionou os Estados Unidos à Segunda Guerra Mundial, em 7 de dezembro de 1941. E não é uma ideia infundada. A dependência americana de satélites-espiões para inteligência e de infraestrutura espacial de telecomunicações para comando e controle os torna alvos preferenciais num conflito. Até porque, no momento, esses equipamentos estão indefesos.
QUEM ATACARIA?
Durante a Guerra Fria, talvez fizesse sentido se preocupar com ataques a satélites, caso soviéticos ou americanos decidissem que era hora de iniciar o apocalipse. Mas no mundo de hoje?
Bem, a China fez o favor de confirmar a tese americana de que a escalada da militarização espacial era inevitável em 2007, quando usou um míssil para detonar em órbita um velho satélite meteorológico pertencente a seu próprio país. Foi um recado. “Nós, se quisermos, podemos atacar seus preciosos satélites.”
Em 2008, os americanos deram o troco e destruíram um satélite-espião não funcional. Alegaram que ele podia acabar caindo sobre regiões povoadas com um tanque cheio de hidrazina — combustível tóxico. Mas é balela. O risco era mínimo. Foi para medir forças e mandar o seu recado também.
Ou seja, se em algum momento o pau comer com certeza teremos ataques a satélites.
É aí que o X-37B parece ter seu apelo. Não é nem pela habilidade fartamente demonstrada na atual missão de permanecer muito tempo no espaço. Mas é pela facilidade com que ele pode ser lançado e depois retornar à Terra com a mesma flexibilidade e rapidez.
Um dos pré-requisitos dos ônibus espaciais da Nasa, aposentados em 2011, mas criados na década de 1970, era a capacidade de dar apenas uma volta na Terra, em cerca de 90 minutos, e então regressar a uma pista de pouso convencional em solo americano. O requerimento foi estabelecido pela Força Aérea e tem uso tático óbvio, não só para o ataque a satélites, como para a defesa.
Não há razão para crer que o X-37B seja menos capaz. Na verdade, por ser mais simples e não-tripulado, ele deve ser ainda mais versátil.
Pela órbita em que estava em sua última missão, o veículo provavelmente realizou tarefas de observação da Terra. Ou seja, agiu basicamente como satélite-espião, além de testar a durabilidade de suas partes durante uma longa missão no espaço. Especula-se que ele também tenha produzido imagens de outros satélites no espaço, uma forma nova de vigilância que tem tudo a ver com o crescimento da militarização espacial.
O FUTURO
Ao analisar o X-37 em 2001, o major Jameson destacou que ele poderia ser útil nas quatro vertentes de uso ensejadas pela Força Aérea no espaço: incremento de força, apoio espacial, controle espacial e aplicação de força.
Como incremento de força, o veículo poderia oferecer inteligência e reconhecimento de terreno (função de satélite-espião), comunicações e meteorologia. Parece ter sido essa a principal vertente da atual missão, embora os dados sejam estritamente confidenciais e o Mensageiro Sideralnão tenha acesso a nenhum cagueta no estilo “Garganta Profunda”.
No apoio espacial, o X-37 poderia ser usado para levar satélites ao espaço ou mesmo recuperar satélites danificados — um perfil de missão que já existia para os ônibus espaciais da Nasa, até o acidente com o Challenger, em 1986.
Como elemento de controle espacial, ele poderia ter papéis ofensivo (prejudicando o funcionamento de satélites inimigos e mesmo os destruindo) e defensivo (monitorar o ambiente espacial e detectar ataques a satélites, evitando-os).
Finalmente, como aplicação de força, ele poderia ser usado para atacar alvos terrestres. “O X-37 é bem conveniente para transportar uma carga útil de aplicação de força para o espaço em um prazo rápido. Equipado com armas de precisão como mísseis hipersônicos guiados por laser ou GPS, o X-37 pode ser instado a lançar essas armas para atacar alvos no meio do território inimigo sem risco para vida humana”, escreveu Jameson, que em seu artigo deu uma pista do que podemos esperar para o futuro do programa.
“Teoricamente, a Força Aérea poderia ter vários esquadrões de X-37 dispostos nas costas leste e oeste dos Estados Unidos, preparados e prontos para atender aos requerimentos do comandante”, apontou.
HOJE SÓ AMANHÃ
Ainda estamos longe disso. A Força Aérea só tem dois X-37B, e suas missões até agora — incluindo esta última — são testes tecnológicos mais que qualquer outra coisa. A ideia é testar, pouco a pouco, a versatilidade do veículo e confirmar as teses que eram levantadas no início do século quanto à sua potencial utilidade.
Enquanto isso, em 2011 a Boeing anunciou planos para desenvolver uma variante maior do X-37B, o X-37C. Maior, ele seria capaz de transportar até seis astronautas em sua área de carga. A atual versão tem o tamanho de uma caminhonete e não suporta tripulantes.
Na guerra ou na paz, uma coisa é certa: esta não será a última vez que você ouvirá falar da escalada militar americana no espaço.
Há de se admirar a proficiência técnica. Mas, se eu falar que isso tudo não me assusta, é mentira. Como já apontava no meu livro “Rumo ao Infinito”, em 2005, um conflito em órbita poderia efetivamente encerrar a era espacial, envolvendo a Terra numa intransponível camada de lixo. Dez anos depois, parece que estamos ainda mais perto de enfrentar esse drama. Tomara que não cheguemos lá.
Sua gestão fica sob os auspícios do Comando Espacial da Força Aérea americana, que desde 1999 tem a obrigação de estar pronto, caso requerido, a aplicar força além da atmosfera terrestre — conceito definido como a habilidade de realizar operações de combate no espaço, a fim de influenciar o curso e o desfecho de um conflito.
Essa nova diretriz, formulada pelo Departamento de Defesa americano ainda no governo Clinton, ganhou força com seu sucessor, George W. Bush, sobretudo após o 11 de setembro de 2001, e desde então não vimos nenhum sinal de arrefecimento. Naquela época, o Comando Espacial julgava razoável o estabelecimento de novas tecnologias de armamento espacial para uso a partir de 2010 e além. Pois bem. Não sei se você reparou, mas nós já passamos dessa data.
Pode apostar que o X-37B se encaixa nesses planos. Originalmente desenvolvido em 1999 pela gigante aeroespacial Boeing para a Nasa (agência espacial que cuida do programa civil americano), ele foi transferido para a DARPA (Agência de Projetos de Pesquisa Avançados de Defesa) em 2004 e ganhou o status de confidencial, além de ter sofrido modificações (o original, para uso civil, se chamava apenas X-37).
DICA: Você acha que o governo americano esconde ETs? Se interessa por esse tema? Baixe uma amostra grátis do meu novo livro, “Extraterrestres: Onde eles estão e como a ciência tenta encontrá-los”
Esta foi a terceira e mais longa das missões realizada pelos dois veículos X-37B da Força Aérea americana. A primeira (OTV-1), conduzida em 2010, durou 224 dias. A segunda (OTV-2), iniciada em 2011, consumiu 469 dias. A atual (OTV-3) bateu todos os recordes. Já são 22 meses no espaço. No lançamento, em 11 de dezembro, a Força Aérea dizia que a duração do voo seria de nove meses. O que o X-37B ficou fazendo lá em cima afinal?
Embora não diga o que é, o Comando Espacial já disse o que não é: os militares afirmam que não houve nenhum teste de armamento espacial durante a missão. Ou seja, felizmente ainda não chegamos na era “Guerra nas Estrelas” (não custa lembrar, mas, mesmo no auge da rivalidade entre americanos e russos, ninguém até hoje ousou dispor plataformas armadas no espaço).
Contudo, os militares americanos acreditam que essa era não tardará a chegar. A atual doutrina de defesa ianque considera a militarização do espaço inevitável, por uma razão muito simples: compensação assimétrica. Com armas no espaço, até mesmo um país meio pé-rapado militarmente poderia afundar os poderosos porta-aviões que sustentam o poderio militar americano no planeta. Ou seja, em vez de precisar de porta-aviões similares (e caríssimos) para estabelecer o equilíbrio de forças, uma nação inimiga poderia optar por um caminho diferente (e potencialmente mais barato) para chegar a esse objetivo.
Em 2001, o então major Austin Jameson, da Força Aérea americana, escreveu um artigo falando sobre as capacidades do X-37 e, em um dos capítulos, ele se pergunta logo no título: “Será o espaço o próximo Pearl Harbor?”
É uma referência ao ataque japonês que impulsionou os Estados Unidos à Segunda Guerra Mundial, em 7 de dezembro de 1941. E não é uma ideia infundada. A dependência americana de satélites-espiões para inteligência e de infraestrutura espacial de telecomunicações para comando e controle os torna alvos preferenciais num conflito. Até porque, no momento, esses equipamentos estão indefesos.
QUEM ATACARIA?
Durante a Guerra Fria, talvez fizesse sentido se preocupar com ataques a satélites, caso soviéticos ou americanos decidissem que era hora de iniciar o apocalipse. Mas no mundo de hoje?
Bem, a China fez o favor de confirmar a tese americana de que a escalada da militarização espacial era inevitável em 2007, quando usou um míssil para detonar em órbita um velho satélite meteorológico pertencente a seu próprio país. Foi um recado. “Nós, se quisermos, podemos atacar seus preciosos satélites.”
Em 2008, os americanos deram o troco e destruíram um satélite-espião não funcional. Alegaram que ele podia acabar caindo sobre regiões povoadas com um tanque cheio de hidrazina — combustível tóxico. Mas é balela. O risco era mínimo. Foi para medir forças e mandar o seu recado também.
Ou seja, se em algum momento o pau comer com certeza teremos ataques a satélites.
É aí que o X-37B parece ter seu apelo. Não é nem pela habilidade fartamente demonstrada na atual missão de permanecer muito tempo no espaço. Mas é pela facilidade com que ele pode ser lançado e depois retornar à Terra com a mesma flexibilidade e rapidez.
Um dos pré-requisitos dos ônibus espaciais da Nasa, aposentados em 2011, mas criados na década de 1970, era a capacidade de dar apenas uma volta na Terra, em cerca de 90 minutos, e então regressar a uma pista de pouso convencional em solo americano. O requerimento foi estabelecido pela Força Aérea e tem uso tático óbvio, não só para o ataque a satélites, como para a defesa.
Não há razão para crer que o X-37B seja menos capaz. Na verdade, por ser mais simples e não-tripulado, ele deve ser ainda mais versátil.
Pela órbita em que estava em sua última missão, o veículo provavelmente realizou tarefas de observação da Terra. Ou seja, agiu basicamente como satélite-espião, além de testar a durabilidade de suas partes durante uma longa missão no espaço. Especula-se que ele também tenha produzido imagens de outros satélites no espaço, uma forma nova de vigilância que tem tudo a ver com o crescimento da militarização espacial.
O FUTURO
Ao analisar o X-37 em 2001, o major Jameson destacou que ele poderia ser útil nas quatro vertentes de uso ensejadas pela Força Aérea no espaço: incremento de força, apoio espacial, controle espacial e aplicação de força.
Como incremento de força, o veículo poderia oferecer inteligência e reconhecimento de terreno (função de satélite-espião), comunicações e meteorologia. Parece ter sido essa a principal vertente da atual missão, embora os dados sejam estritamente confidenciais e o Mensageiro Sideralnão tenha acesso a nenhum cagueta no estilo “Garganta Profunda”.
No apoio espacial, o X-37 poderia ser usado para levar satélites ao espaço ou mesmo recuperar satélites danificados — um perfil de missão que já existia para os ônibus espaciais da Nasa, até o acidente com o Challenger, em 1986.
Como elemento de controle espacial, ele poderia ter papéis ofensivo (prejudicando o funcionamento de satélites inimigos e mesmo os destruindo) e defensivo (monitorar o ambiente espacial e detectar ataques a satélites, evitando-os).
Finalmente, como aplicação de força, ele poderia ser usado para atacar alvos terrestres. “O X-37 é bem conveniente para transportar uma carga útil de aplicação de força para o espaço em um prazo rápido. Equipado com armas de precisão como mísseis hipersônicos guiados por laser ou GPS, o X-37 pode ser instado a lançar essas armas para atacar alvos no meio do território inimigo sem risco para vida humana”, escreveu Jameson, que em seu artigo deu uma pista do que podemos esperar para o futuro do programa.
“Teoricamente, a Força Aérea poderia ter vários esquadrões de X-37 dispostos nas costas leste e oeste dos Estados Unidos, preparados e prontos para atender aos requerimentos do comandante”, apontou.
HOJE SÓ AMANHÃ
Ainda estamos longe disso. A Força Aérea só tem dois X-37B, e suas missões até agora — incluindo esta última — são testes tecnológicos mais que qualquer outra coisa. A ideia é testar, pouco a pouco, a versatilidade do veículo e confirmar as teses que eram levantadas no início do século quanto à sua potencial utilidade.
Enquanto isso, em 2011 a Boeing anunciou planos para desenvolver uma variante maior do X-37B, o X-37C. Maior, ele seria capaz de transportar até seis astronautas em sua área de carga. A atual versão tem o tamanho de uma caminhonete e não suporta tripulantes.
Na guerra ou na paz, uma coisa é certa: esta não será a última vez que você ouvirá falar da escalada militar americana no espaço.
Há de se admirar a proficiência técnica. Mas, se eu falar que isso tudo não me assusta, é mentira. Como já apontava no meu livro “Rumo ao Infinito”, em 2005, um conflito em órbita poderia efetivamente encerrar a era espacial, envolvendo a Terra numa intransponível camada de lixo. Dez anos depois, parece que estamos ainda mais perto de enfrentar esse drama. Tomara que não cheguemos lá.
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