Presidente do STF diz a generais que a nação está em perigo
Na palestra que fez na sexta-feira, dia 18, em Manaus, no Comando Militar da Amazônia, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, alertou aos generais que lotavam o auditório que a nação está em perigo.
“A nação que nós estamos construindo, general Villas Boas, infelizmente está em perigo. Nós estamos trazendo esse mundo conflituoso para o nosso País”, analisou o ministro pouco depois de dizer que antes estava otimista com o Brasil e depois dizer aos militares:
“De repente, estamos diante de um fenômeno altamente preocupante”, disse o presidente da Suprema Corte reafirmando esse seu pensamento perto de encerrar sua palestra, quando disse em primeira pessoa: “Estou extremamente preocupado com o mundo que estamos vivendo hoje”.
Coincidentemente, a palestra que Ricardo Lewandowski fez para os militares, em Manaus, foi baseada na Teoria Tridimensional do Direito do filósofo brasileiro Miguel Reale, pai de Miguel Reale Júnior, autor do processo de impeachment que pode derrubar o governo da presidente Dilma Rousseff (PT).
“Mas dizia Miguel Reale que os macro modelos jurídicos, os micro modelos jurídicos ou os outros modelos jurídicos em geral têm outras dimensões, mais duas além da dimensão normativa. Uma delas é a dimensão fática e a outra uma dimensão axiológica ou valorativa. Porque o Direito se produz através dos fatos de uma necessidade social. E, evidentemente, essa necessidade social ela é plasmada, ela é informada a partir de valores”, comentou.
Para sustentar seu raciocínio, o ministro discorreu ainda conceitos da Filosofia, à qual se declarou fã.
Nessa parte de sua fala ele citou o conceito de conflito social em Marx, mas evitou desenvolvê-lo; rejeitou o princípio da imutabilidade em Parmênides e se mostrou partidário do pensador Heráclito de Éfeso, que postulou a ideia de que no mundo “tudo muda, tudo se transforma, tudo está no eterno devir”.
Com base nesse pensamento que desenvolveu, o presidente da Suprema Corte se dirigiu diretamente aos militares:
“Então, eu queria lhes dizer que longe de nos assustarmos com essas mudanças que o mundo está hoje vivendo nós temos que enfrentá-las com racionalidade, com conformismo e com sabedoria. E as Forças Armadas, mais do que ninguém, acostumadas com as transformações, a cada instante enfrentam, devem estar preparadas para ter essa visão dialética”.
Leia e ouça o áudio da palestra que o presidente do Supremo fez no dia 18 de março em Manaus:
Teoria Tridimensional do Direito
Eu queria dizer para vocês o que significava e ainda significa essa Teoria Tridimensional do Direito, desenvolvida pelo professor Miguel Reale. É uma teoria muito interessante , muito instigante.
Ele dizia o seguinte: todo modelo jurídico – ele preferia falar em modelo do que instituto jurídico -, uma coisa mais ampla, mais organizada, mais orgânica. Ele dizia: todo modelo jurídico tem três demissões, por isso que se chama essa teoria de a Teoria Tridimensional do Direito.
O modelo jurídico tem três dimensões. O modelo mais óbvio, a dimensão mais óbvia é a dimensão normativa. É um comando legal, é uma ordem cogente o que diz respeito ao comportamento. Uma lei, uma norma jurídica, é algo que tem que ser obdecido sob pena de sanção, ou uma sanção no campo civil, ou uma sanção no campo penal, ou uma sanção no campo administrativo, mas é algo a ser cumprido, como uma ordem partida do nosso prezado general-comandante Villas Bôas ou de qualquer outro oficial que se encontre nesta sala.
Mas dizia Miguel Reale que os macro modelos jurídicos, os micro modelos jurídicos ou os outros modelos jurídicos em geral têm outras dimensões, mais duas além da dimensão normativa. Uma delas é a dimensão fática e a outra uma dimensão axiológica ou valorativa. Porque o Direito se produz através dos fatos de uma necessidade social. E, evidentemente, essa necessidade social ela é plasmada, ela é informada a partir de valores.
Peguemos, portanto, por exemplo, a propriedade. A propriedade é uma realidade fática. Sempre, desde a pré-história, o homem se apropriou de algum bem da natureza. É uma realidade fática. É precisa ser ordenada, sendo ordenada, segundo determinados valores.
O tempo dos antigos romanos, falava-se do direito de propriedade como um jus utendi, fruendi et abutendi, o direito de usar, gozar e abusar. Quem era proprietário de alguma coisa podia desfazer-se dessa propriedade a seu arbítrio, ao seu alvitrei, era proprietário inclusive de seus familiares. Podia matá-los, podia castigá-los etc.
Com a evolução das coisas, com a mudança dos valores, hoje, a propriedade exerce uma função social. Isso está escrito na Constituição. Por quê? Porque mudou-se a realidade fática, mudaram-se os valores e, portanto, a norma, que é a terceira dimensão, ela se altera, da mesma forma a família. Família, quiçá do século IXX, era uma família patriarcal, ampla, incluía a mulher, filhos, agregados, parentes.
Hoje nós vivemos uma sociedade, uma família monogâmica, já se fala em transformações da família, para o bem ou para o mal, uniões do mesmo sexo, uniões de mais pessoas.
Mudanças – leis que pegam e leis que não pegam
Mas, enfim, isso mostra que os institutos jurídicos, visto sob a perspectiva da tridimensionalidade, mudam à medida em que os fatos mudam, os valores cambiam e, portanto, esse vetor normativo também ele se altera.
É por isso que algumas leis pegam, outras não pegam. Quais são as leis que não pegam? Aquelas leis que não têm nada a ver com a realidade fenomenológica ou fática ou não tem nada a ver com os valores dominantes na sociedade. Elas são simplesmente ignoradas.
De outro lado, existem algumas normas que elas são derrogadas pelos uso e pelo costume dos povos, inclusive no âmbito da Constituição, os constitucionalistas falam em mutação constitucional. É uma mudança informal da Constituição sem ser aquelas hipóteses que a Constituição prevê de alteração por emenda constitucional. Por quê? Porque os fatos mudam, os valores mudam e a própria Constituição muda.
Muito bem!
“Sou fã da Filosofia”
Eu vi o doutor Weitezel (Marcelo Weitzel Rabello de Souza, procurador-geral da Justiça Militar, palestrante que antecipou o presidente do STF) falar muito em mudança. Eu quero dizer às senhoras e aos senhores que eu gosto muito de Filosofia, sou fã da Filosofia. Então, os tempos que tenho de folga, os raros tempos de folga, deixo aqueles pesados manuais de Direito e me dedico à Filosofia. E, dentre os filósofos, eu tenho uma especial apreciação é pelos pré-socráticos. Imaginem vossas excelências, que estão aqui, minhas senhoras e meus senhores, os pré-socráticos, aqueles que viveram no século VI antes de Cristo, quando, evidentemente, a Filosofia não tinha ainda se aprofundado mais, ganhado corpo que tem no mundo Ocidental hoje: Sócrates, Platão, Aristóteles, os pré-socráticos, foram os primeiros pensadores que começaram a querer conhecer o mundo do ponto de vista científico, entre aspas, com base, digamos assim, em verdade concreta, na observação. E esse é o momento no século IV que se faz a passagem do conhecimento do mundo do mito para a Ciências, se é que se pode dizer assim.
Dentre os vários filósofos pré-socráticos que atuaram naquele tempo, eu queria destacar dois e manifestar minha preferência por um. Um deles era Parmênides. Parmênides, querendo conhecer o mundo, ele dizia olha: nós só podemos conhecer o mundo, se nós entendermos que existe algo de imutável nas coisas, no ser. Então, ele defendia a tese da imutabilidade. Um conhecimento de algo que é cambiante é impossível para o ser humano.
Aí, veio o outro filósofo, chamado Heráclito de Éfeso. Éfeso era uma cidade da época, que se situava na Ásia Menor até a Turquia, mas que fazia parte da grande Hélade da Grécia e que defendeu uma hipótese completamente oposta.
Dizia ele: tudo muda, tudo se transforma, tudo está no eterno devir. E dizia ele, então: ninguém pode mergulhar duas vezes no mesmo rio. Primeiramente, porque as águas estão sempre mudando. Ninguém mergulha duas vezes no mesmo Amazonas. E a própria pessoa muda. Nós sabemos que a cada momento, nesse instante mesmo, todos nós estamos fazendo centenas de milhares de alterações celulares. Nós estamos mudando a cada momento. Nós nascemos, nós ficamos jovens, passamos por idade madura, envelhecemos. Esta é a vida. Tudo muda, tudo passa, tudo se transforma e, portanto, essa visão heraclitiana do eterno devir, a meu ver, é uma visão do ponto de vista epistemológico, de conhecimento do mundo, que é que mais se apropria, mais apropriada não apenas para que nós nos consolemos com as transformações e a brevidade da nossa própria vida e também é a mais consentânea com as mudanças cada vez mais aceleradas que nós verificamos no mundo que nos cerca.
Portanto, essa questão meu caro doutor Weitzel, destas transformações aceleradas podem, num primeiro momento, assustar não nos devem assustar, porque isso faz da vida, faz parte da natureza. O próprio universo que começou com o Big Bang, está se expandido. Um dia, segundo alguns astrofísicos, ou ele se expandirá eternamente ad infinitum. Ele, evidentemente, terá um fim, ou ele se contrairá numa grande explosão.
Então, tudo muda, tudo se transforma. Os militares conhecem isso melhor do que ninguém, nas condições de uma batalha, estão cada hora cambiando, e o comandante não pode se assustar com isso. O comandante tem que lidar com estas mudanças, com essas alterações.
Muito bem!
“As Forças Armadas devem estar preparadas para ter essa visão dialética” – “transformação é da vida”
Então, eu queria lhes dizer que longe de nos assustarmos com essas mudanças que o mundo está hoje vivendo nós temos que enfrentá-las com racionalidade, com conformismo e com sabedoria. E as Forças Armadas, mais do que ninguém, acostumadas com as transformações, a cada instante enfrentam, devem estar preparadas para ter essa visão dialética.
Aliás, dizem que Heráclito foi um dos inspiradores da dialética, da lógica dialética, dessa lógica cambiante, que vem de Hegel. Hegel dizia que o mundo avança quando uma tese se contrapõe a uma antítese e se forma uma síntese. Essa síntese se transformará numa nova tese, surgirá uma nova antítese, depois uma nova síntese e assim o mundo caminha. E essa é a visão que tenhamos que ver, que ter.
Não quero entrar em detalhes. Marx foi aluno de Hegel; Hegel é um idealista; Karl Marx, um materialista. Ele via que o conflito social seria o móvel da história, mas essa outra questão que não abordaremos agora. O importante, ao meu ver, a mensagem que eu queria dar a senhoras e aos senhores que a transformação é da vida. Então, nós temos que lidar com a transformação.
Teoria do Estado
O meu tema, minhas senhoras, meus senhores, é o Estado Contemporâneo. Dento dessa perspectiva de permanente mudança, permanente devir, nós não poderíamos imaginar que o Estado, enquanto realidade sócio-política, enquanto instituto jurídico, do macro modelo jurídico, não tenha sofrido alterações ao longo do tempo.
O Estado, talvez o mais remoto, estado antigo, passando pelo estado grego ou helênico, depois pelo estado romano, em seguida pelo estado feudal, se é que se pode falar de estado feudal. Retomarei o tema até chegarmos ao estado moderno, depois o estado contemporâneo, que é uma derivação do estado moderno, obviamente muitas transformações ocorreram.
O estado moderno, como já foi dito aqui, pelo meu prezado antecessor, ele surgiu por volta do século XV, da era cristã, e o estado surgiu como um agente civilizador. Se nós pegarmos, por exemplo, o pensamento de Thomas Hobbes. Hobbes escreveu Leviatã. Leviatã era um monstro bíblico todo-poderoso e ele identificou o estado como Leviatã. Ele dizia, ó: fora do Estado não há segurança, não há liberdade, não há progresso, não há ciência.
Portanto, o estado que surgia naquela época, no século XV e XVI, já era visto como um elemento civilizatório. Hegel, já no século XIX, ele também dizia que só no estado é que se concretiza a verdadeira liberdade.
Eu tive a hora de viajar por mais de duas horas com o general Villas Bôas e ele me dizia exatamente que a disciplina, não apenas nos colégios militares, mas nas Forças Armadas, é que dá segurança e a liberdade para os integrantes destas corporações.
O estado com suas regras, com seu ordenamento legal, é que propicia a exata dimensão da liberdade. Fora do estado não há nenhuma possibilidade de termos uma vida social organizada. Portanto, viveremos no caos.
Com é que surgiu o estado moderno? O estado moderno surgiu, eu disse, por volta do XV. Eu digo por volta porque as datas, em história, são sempre imprecisas. Cada historiador tem seu marco, tem a sua visão, a sua perspectiva e o estado moderno surgiu exatamente a partir do estado medieval ou o estado feudal. Aí é que eu disse que eu tenho dúvidas para caracterizar o estado medieval como verdadeiro estado. Ele surgiu quando o chefe bárbaro Odoacro, o germânico, no ano de 476 da nossa era, atacou Roma, o Império Romano do Ocidente, e esse império que dominava todo o mundo conhecido de então caia ao cão como um vazo de porcelana fragmentando-se em milhares de pedaços.
Pois bem!
Os povos abandonados à sua própria sorte se reuniram entorno dos chefes bárbaros, alguns chefes de legiões romanas, em torno de senhores da guerra, que depois se transformaram em senhores feudais, se cercaram em cidades independentes, ou em torno de congregações religiosas muito poderosas, à época, ou em corporações de ofício. E do século V até o século XV. Portanto, dez séculos, ou mil anos, prevaleceu a idade média. E, reportando novamente a esse filósofo Hegel, que era também um politólogo, ele descreveu esse momento do ponto de vista da política, como uma poliarquia – poli em grego significa muito, arquia significa ordem.
Então, durante dez séculos, mil anos convivendo com várias ordens, cada uma delas: senhores feudais, cidades independentes, corporações religiosas, enfim, os vários núcleos de poder exerceram de forma isolada e muitas vezes superpostas as competências que hoje o estado exerce de forma monopolística.
Volta à Idade Média
Alguns entendem até que, por isso me reportei à Idade Média, e essa é uma preocupação que se tem, é que, talvez, neste século XXI, neste momento de crise mundial, seja do ponto de vista econômico, seja do ponto de vista político, do ponto de vista social, do ponto de vista militar, nós estejamos caminhando para essa situação medieval, na volta à Idade Média, com uma situação de poliarquia, de multiplicidade de ordem.
Se nós olharmos para o que está acontecendo no Oriente Médio, com o estado islâmico; se nós olharmos para o Leste Europeu, sobretudo na Ucrânia, onde convivem, partes, forças governamentais, de outro lado, milícias, agentes russos infiltrados, enfim. Outras situações no norte da África, parte do Oriente Médio depois da Primavera Árabe, a África subsaariana e outras partes do mundo, nós talvez podemos imaginar, talvez estejamos voltando à Ida Média no sentido desse multiplicidade de ordem, nessa poliarquia.
A verdade é que a civilização feudal, ou a civilização medieval como todas as civilizações, aliás, o grande pensador Spencer dizia que todas as civilizações tem um início, tem o ápice, tem um fim. Isso aconteceu com a civilização babilônica, romana, grega e muitas outras que hoje estão um pouco cambaleando e que talvez estejam chegando ao fim, seja do ponto de vista da sua hegemonia militar, hegemonia ideológica, econômica etc, mas a verdade é que civilização feudal chegou ao momento que ela entrou em colapso. E por várias razões.
Me permitam aqui fazer um pouco de teorização, mas é importante para os senhores que são militares, que têm essa visão do que trata exatamente o estado, sobretudo, porque como disse o general Villas Bôas, as Forças Armadas são instituições permanentes. Elas integram o estado. Então, temos que entender o que é o Estado.
O general até trouxe uma tese muito interessante sobre a qual eu não tinha refletido, que as Forças Armadas até precedem a formação do estado brasileiro até a Guerra dos Guararapes, dizendo que alguns consideram o Exército Brasileiro teria surgido a partir da Guerra dos Guararapes.
Mas, por volta do século XV, houve um esgotamento do modelo feudal. Em que sentido? Primeiro porque as guerras entre os senhores feudais enfraqueceu a aristocracia da época. As lutas contra o islã, as cruzadas que saíam muitas vezes do norte da Europa, custava muito dinheiro para libertar Jerusalém, enfraqueceu economicamente os senhores feudais. As epidemias como a peste negra, que graçava na Europa violentamente, a perda das cometas etc. Isso e também, o esgarçamento, o enfraquecimento da Igreja Católica que era o pano de fundo que segurava todo esse arcabouço enfraqueceu com o advento do protestantismo, das guerras religiosas. A verdade é que esse modelo se esgotou.
Paralelamente a isso, a burguesia financeira e comercial, que durante toda a Idade Média foi se enriquecendo com o comércio entre os burgos, trazendo mercadorias do Oriente Médio pelo Mediterrâneo, pelo estreito de Boston, foram se enriquecendo e fizeram lugar ao sol evidentemente no plano da política.
Muito bem!
Maquiavel e o estado
E assumiram um poder, apoiando determinados reis e príncipes. Não é à toa que nesta época surge o trabalho de Maquiavel, Nicolau Maquiavel, chamado de “O Príncipe”, que era o livro destinado a ensinar a arte de governar. Foi dedicado ao duque de Urbino em 1513. Doutor Weitezel disse que essa concepção, essa palavra estado surgiu no justamente no século XVI, em 1513, quando, pela primeira vez, Maquiavel usa a palavra estado: Estado de Florença, Estado de Veneza, Estado de Gênova etc. Essa palavra vem do latim , Estado, que significa algo que existe, que está firme. Quando nós, quando está leigo, falamos em status nos imaginamos alguém que detém uma posição social. Mas o que imaginou a partir de então é que o estado seria uma instituição política que se manteria através dos tempos e acima das crises independentemente dos governantes eventuais.
O passado, até então, se morresse um governante, ou ele fosse destituído, haveria uma revolução e o estado desapareceria. Então, a ideia que surge do Estado também como uma instituição permanente que se mantém.
Nesse momento, passa-se então de uma poliarquia para uma monarquia: mono, que significa um; arquia, uma ordem só. Nesse momento surgem as monarquias absolutistas. O que que elas fazem? Elas monopolizam o poder de legislar, o poder de tributar, o poder de julgar, o poder de cunhar moedas – estabelecer pesos e medidas – e o mais importante de tudo: o monopólio da força.
Porque até então, e desde a antiguidade, desde os tempos romanos, as legiões que nós imaginávamos que eram organismos do estado, na verdade, eram forças compostas por comerciantes, muitas vezes donos de terras, ricos que montavam suas legiões e muitas vezes, com elas, davam golpe de estado, que não eram raros em Roma Antiga.
Mas, neste momento, surgem os exércitos profissionais. Claro, porque, quando se quer monopolizar o poder, é possível, claro, pela força armada para sustentar o poder.
Inicialmente, como não havia forças armadas organizadas, utilizou-se o emprego dos chamados mercenários, que no norte da Itália eram os famosos “condocceres”, líderes militares, carismáticos. poderosos que vendiam seus serviços a determinados senhores e que acabavam muitas vezes empalmando o poder, claro que isso é negativo e logos os governantes perceberam que tinham que montar exércitos nacionais.
Então, neste momento do século XVI, como foi dito pelo meu predecessor aqui, surgiram os exércitos nacionais com o estado moderno. E o estado moderno, com essa estrutura de centralização do poder, se mantém até hoje, só que com uma pequena e importantíssima transformação: de um estado absoluto para um estado regrado pelo direito. Isso a partir do século XVIII, quando surgiram as revoluções liberais, liberais burguesas, porque a burguesia que tinha engendrado o estado moderno tinha ficado à margem do poder, mas depois acaba tomando o poder dentro do movimento libertário, positivo surgia assim o estado de direito, a partir do século XVII, final do século XVII.
Tratado de Paz de Versalhes
Mas o que me parece importante dizer. Exatamente aqui também foi dito pelo orador que me antecedeu um marco absolutamente importante foi exatamente o Tratado de Paz de Versalhes, de 1648, por quê. Porque esse tratado de paz de 1648 coloca o fim das guerras religiosas na Europa, a Guerra de 30 anos e estabelece, então, que cada estado detém a soberania sobre um território delimitado e preside sobre um determinado povo ou determinado grupo social.
Essa data de 1648 é uma data extramente importante porque ela é um marco não apenas para o direito público, o direito constitucional, mas, também, pelo direito internacional. Doutor Weitezel disse exatamente isso. Nesse momento nasce a ideia de igualdade entre os estados, não importando o tamanho que eles têm, grandes ou pequenos, fracos ou fortes, do ponto de vista econômico e político e ideia da soberania.
Muito bem!
Esse estado que assim surge tem essas características, ou, como dizem os especialistas têm três elementos fundamentais: primeiro deles é a soberania, ou seja, dentro de seu território é a mais alta autoridade. Uma expressão que os juristas utilizavam e a língua franca de então era o latim é a sumaa potesta, ninguém é mais alto do que o poder do estado.
E a soberania também é uma face de duas moedas. Ela tem uma face externa e uma face interna. Internamente, ela significa supremacia e do ponto de vista externo ela significa independência.
Da importância e riqueza dessa expressão soberania, nasce a ideia de território. E nasce por uma razão interessante quando em 1648 se põe o fim às guerras religiosas. Na verdade, o que se queria com o conceito de autonomia, de soberania e de territorialidade, de domínio de um determinado grupo social era a imposição de uma determinada confissão religiosa a uma população que estava sob o domínio de um determinado governo. Mas é claro que hoje isso tem outra significação. O estado, portanto, significa uma realidade tridimensional, composta por território, povo e soberania.
Vou elaborar um pouco sobre esses temas.
Conceitos de território, soberania, população e nação
Território – logo se percebeu e os senhores, e os senhores são defensores do território, bastava dominar e defender um território fisicamente. Era preciso neste momento que se vivia, no século XVII, defender o território mar adentro. Não adiantava esperar que os inimigos viessem à praia para dar-lhes o combate. Então concebeu-se o direito internacional do mar territorial. A primeira ideia é que o mar territorial tivesse a dimensão, o alcance de um tiro de canhão, naquela época oito milhas, depois isso foi se alteração, isso foi objeto até d convenções internacionais.
Mas, na verdade, quando se fala em território, não se fala só em território físico. É o território também marítimo, é o mar territorial. Depois da Primeira Guerra Mundial, quando se percebeu a importância da aviação militar se verificou também que preciso pensar que o ar se alça numa coluna de ar acima do território, porque a defesa do território também é feita na parte aérea do território. Não se pode aguardar que o inimigo aterrisse com suas tropas.
Então, essa ideia de território é uma ideia tridimensional, porque ela ocupa não apenas o mar territorial, mas também espaço aéreo que também abrange o mar territorial e o próprio território físico também.
O general Villas Bôas trouxe um dado que, para mim, é da mais extrema importância, que, em outros países, sobretudo nos Estados Unidos, que o País, a pátria do capitalismo. Talvez, depois do Reino Unido, da Inglaterra, no Brasil, felizmente para nós, sua excelência usou essa expressão, território, ele engloba, isso constitucionalmente o subsolo, as riquezas naturais.
Então, os senhores que estão aqui, são defensores do território nessas três dimensões: a dimensão física, do ponto de vista do subsolo, mar territorial e espaço aéreo. Essa é amoderna concepção do território.
Bem – a questão agora da soberania – a soberania já disse que tem duas dimensões: é uma moeda de duas faces, uma interna e outra externa: interna autonomia, externa independência, mas houve na transição, do século V para o século XVIII, uma mudança da mais alta importância.
Quando surgiu a ideia de soberania, que era o soberano? Era o rei, o monarca. Era soberano . Até hoje essas três palavras se identificam. Quando fala em soberano, pensa em rei, pensa em monarca etc, mas quando vieram as revoluções burguesas, ou liberais, no século XVIII, o povo é que passou a ser soberano. O soberano não era mais o monarca, o rei, a ponto de que o grande monarca absolutista, o rei Luiz XIV ele dizia assim: numa expressão assim muito utilizada: “L’État c’est moi, eu sou o rei, eu sou o estado. A minha vontade psicológica, representa a vontade do Estado. Não mais. Hoje o povo é soberano , tanto é que todas as constituições brasileiras, desde a primeira de 1891, passando por todas elas, menos a de 1937, salvo engano, todas, no artigo primeiro, num dos parágrafos que todo poder emana do povo e em seu nome exercido. Hoje, isso está no parágrafo único do artigo primeiro, uma ligeira modificação dizendo: todo poder emana do povo, que o exerce por representantes eleitos ou diretamente nos termos da Constituição.
São mudança pouco percebidas, mas extremamente importante que nós passamos de uma democracia puramente representativa, ou seja o povo representado por seus representantes, por pessoas eleitas, no poder, mas na Constituição de 1988, o povo constitui que elegeu os constituintes e reservou-se a possibilidade de manifestar-se em determinados momentos.Isso está basicamente no artigo 14, por meio de plebiscito, do referendo ou da iniciativa popular, legislativa.
E, espaçamente, no texto da Constituição, quando se diz também que o povo participa das comissões de meio ambiente, de educação, esporte, ciência e tecnologia. OU seja o constituinte de 1988 quis que o povo participasse do poder.
Mas o que importa agora, ao meu ver, se as senhoras e senhores me permitem, é dizer exatamente isso: que a soberania passou por uma transformação importantíssima, que é: saiu da pessoa do rio e do monarca e passou para o povo, o povo é soberano. Quando os senhores estão defendendo a soberania do Brasil, estão defendendo a soberania no duplo aspecto, mas estão defendendo também a vontade popular. É claro que é uma vontade legitimamente expressa pelos canais competentes por meio de eleições, por meio de representantes dos poderes constituídos etc. Então, vejam como esses conceitos vão evoluindo.
Me permitam agora, minhas senhoras, meus senhores, fazer algumas incursões sobre alguns conceitos que se confundem de forma muito comum com e, sobretudo o público leigo, confunde os conceitos de estado, sobre o qual já falamos, que é uma realidade sócio, política, jurídica, com três dimensões, confunde com conceito de nação. A nação, por sua vez, se confunde com o conceito de população; população também se confunde com outros conceitos nesses três conceitos; conceitos de País e de pátria. Puxa! Como é que nós, que somos técnicos, somos cientistas sociais, sociólogos, militares, que são pessoas que possuem curso superior, numa visão privilegiada do mundo, juristas, como distinguir tecnicamente esses conceitos?
Vamos começar com o conceito de povo: povo é um conceito jurídico-político. É o conjunto do cidadão. São aqueles que detém a soberania; são aqueles que expressam sua vontade e, por sua vez, por canais competentes – uma turma que reúne na rua não é o povo, expressando-se legitimamente. Mas o povo é um termo político-jurídico que compreende o cidadão.
População – população é um conceito demográfico, estatístico. Quando nós falamos: qual é a população do Brasil? Duzentos e poucos milhões; duzentos e vinte? Então, quando nós falamos em população, nós compreendemos todas as pessoas que um determinado momento estão num certo estado. Inclui o cidadãos, os não cidadãos, os estrangeiros residentes, até o apátridas que estão por aqui. Então, do ponto de vista técnico que, para nós, juristas, não tem grande importância.
E nação? – nação este é um conceito extremamente complicado. Poucas pessoas conseguiram definir o que é nação. Nação é um conceito sócio antropológico. Nação, eu diria, que é um conjunto de pessoas que ao longo de muito tempo na história conviveram, compartilham dos mesmos valores, das mesmas crenças, das mesmas normas comportamentais, às vezes, da mesma língua, têm a mesma etnia, religião. Cada um dos elementos pode aparecer, mas não são absolutamente imprescindíveis.
Agora o que é importante frisar é o seguinte: existem estados sem nação. Pasmem as senhoras e os senhores: como é possível estado sem nação? As senhoras e senhores lembram que, quando Hitler invadiu a França, o general De Gulle fez um governo no exílio, na Inglaterra. Tornou-se um estado, mas não tinha nação. Existem, talvez na Guerra do Golfo, quando Kuait foi invadido pelo Iraque, formou-se um governo no exílio, salvo engano nos Estados Unidos. O estado iraquiano se trasladou para os Estados Unidos, mas não tinha nação, não tinha nada.
Bem…
Existem nações sem estado
Como é possível nação sem estado? Os ciganos. Alguns dizem que os ciganos são uma nação. Eles têm a mesma cor, modo de se vestir, eles têm uma língua própria, eles são originário do norte da Índia, eles têm hábitos migratórios, usos, costumes, mas estão espalhados por vários países. São perseguidos. Na Segunda Guerra Mundial, foram eliminados em massa juntamente com os judeus e outras minorias pelo governo nazistas.
Os curdos – os curdos, que agora nessa guerra do Oriente Médio estão revelando uma capacidade de combate extraordinário. É uma nação multimilenar, os peshmergas, que são os combatentes curdos, enfrentando […] os primeiros na linha de frente. Os americanos não têm coragem de ir lá, os iraquianos não têm, mas os curdos estão lá. Eles estão espalhados parte na Turquia, parte na Pérsia, parte no Iraque, parte nua zona montanhosa. São uma nação, indiscutível, de uma língua própria. Aliás, dizem que Saladino, o grande sultão Saladino, que repelia os cristãos nas cruzadas, era um curdo e não era um árabe. Mas é uma nação sem estado.
Os palestinos – os palestinos indiscutivelmente constituem uma nação, mas não têm estado. Hoje existe uma autoridade palestina, mas eles não são um estado, por quê, porque não tem soberania. Eles têm território, simulacro de povo, é uma nação,mas não têm soberania. Eles têm uma autoridade para dominar algumas questões.
Existem também, minhas senhoras, meus senhores, estados multinacionais. Quais são esses estados multinacionais? Vários deles existiram: o antigo império austro-húngaro, que reunia várias nações, a União Soviética, a antiga Iugoslávia, que também depois da guerra fria se esfacelou nos vários estados que surgem lá.
E existem uma situação ideal. Qual é a situação ideal? É quando a nação coincide com o estado.
“Eu estava extremamente otimista até pouco tempo atrás” – “Nós estamos trazendo esse mundo conflituoso para o nosso País”
Minhas senhoras, meus senhores, eu estava extremamente otimista até pouco tempo atrás de que o Brasil ao longo de 500 anos, graças em grande parte às Forças Armadas, e essas é uma das funções das Forças Armadas, pouco a pouco, estava se convertendo numa nação coincidente com o estado. Nós temos um povo com mais de 200 milhões de habitantes, um povo que felizmente está se amorenando mais, as diferenças raciais, étnicas, religiosas, ideológicas até pouco tempo não existia. Pode olhar para qualquer lugar do mundo, hoje. E quando eu falava que o ideal de nação é a França, a França a nação coincide, como há muitos séculos coincidiu com os estados.
Dizia para o nosso general, quando trocávamos ideias, e vossa excelência era coincidente com essa perspectiva, com a minha. Hoje, quem vai para País, por exemplo, são o pessoal que vive nas periferias, a terceira geração de argelinos, marroquinos, tunisianos, que vem do Saara etc, não se incorporaram. Quem vai para Londres tem aquele centrinho lá, onde se talvez concentram os britânicos, nas zonas rurais, mas Londres tem áreas impenetráveis, onde existem todas as etnias e todas as culturas e lá, também, a nação está se esfacelando.
Então, volto ao tema em seguida, porque eu acho que a nação que nós estamos construindo, general Villas Boas, infelizmente está em perigo. Nós estamos trazendo esse mundo conflituoso para o nosso País. Não sei como, não sei porquê. Eu dizia ao general que há um ano e meio atrás eu fui dá uma palestra no exterior muito orgulhosamente eu dizia: nós somos um país de 200 milhões de habitantes, um país de dimensões continentais, crescendo a 3,5%, descobrimos o pré-sal, um índice de desemprego de 4,5%, menor do que a França, Itália, Espanha, a Grécia, vários países da União Europeia, temos um país, apesar dessas dimensões do ponto de vista demográfico, populacional, em que pese as diferenças de renda graves, bolsões de miséria, bolsões de violência, nós somos um país que não há dissenso fundamental. De repetente, estamos diante de um fenômeno altamente preocupante.
O conceito de País é um conceito um pouco etéreo, um pouco técnico. Um país, em geral, se identifica com o espaço territorial em que as pessoas vivem. O Brasil é um país. Estamos nos referindo ao espaço territorial. Mas não é sempre que se identifica com estado.
[…]
Estou extremamente preocupado com o mundo que estamos vivendo hoje.
https://www.youtube.com/watch?v=yY5w8wieaII
Video da,Palestra do presidente do Supremo aos generais do Comando Militar da Amazônia