Enquanto a Alemanha segue seu programa para abandonar a energia nuclear, seus vizinhos do Leste iniciam a construção de reatores. Para a Hungria, Polônia, República Tcheca e Eslováquia, trata-se de conquistar independência energética com relação ao gás russo
por Hélène Bienvenu e Sébastien Gobert
Le Monde Diplomatique
"A central nuclear é a melhor coisa que já nos aconteceu." O bigode bem aparado, o olhar fixo, János Hajdú exibe uma satisfação sincera. Acima de sua escrivaninha, o prefeito de Paks pendurou a bandeira oficial da cidade, que mostra o símbolo prateado do átomo. "Paks é uma pequena cidade de 19.500 habitantes, mas os salários são mais elevados do que a média nacional, e nossa infraestrutura é melhor. Pessoas vêm de todo o país para visitar a central. É o nosso orgulho." Nas margens do Danúbio, no centro da Hungria, a energia nuclear não parece gerar debates. Hajdú, um defensor fervoroso do átomo, apresenta como prova disso sua reeleição, em outubro de 2010, para um terceiro mandato consecutivo. "O governo fala atualmente em expandir a central. Nós esperamos isso com impaciência, porque o país vai ganhar em independência energética, e a cidade em dinamismo."
A menos de 5 quilômetros dali, no final de uma pequena estrada ladeada de árvores, os dois blocos de um verde desbotado da MVM Paksi Atomeromu, a central de Paks, abrigam uma atividade transbordante. Com ar jovial, Csaba Dohóczki, gerente de comunicações do complexo, nos garante a máxima segurança do local: "Mais de 2,4 mil pessoas trabalham aqui. Vocês veem, é um verdadeiro formigueiro". Depois de verificações rápidas, ele leva o visitante por meandros do bloco das unidades 1 e 2. Aqui ocorreu um incidente em abril de 2003, classificado como 3 na Escala Internacional de Eventos Nucleares (Ines),1 quando do reabastecimento anual do combustível do reator 2, que ficou fora de serviço por cerca de dezoito meses. "Recebemos o aval das autoridades de segurança húngara e internacionais para reiniciar as operações. No início de 2012, superamos sem dificuldade os stress tests da Comissão Europeia. E, no final do ano, a duração da operação do reator 1 foi prorrogada até 2032. O que equivale a dizer que desfrutamos de um nível muito alto de confiança."
Uma vez no corredor de observação com vista para a enorme sala dos reatores, o tom se torna mais solene: "Entre essas paredes, nossos quatro reatores produzem 43% da eletricidade do país", diz Dohóczki indicando as instalações. "Nós nos colocamos numa transparência máxima porque assegurar o apoio não só dos nossos vizinhos, mas também do público em geral, é de suma importância." Um apoio que o governo húngaro parece considerar como adquirido. Ele está envolvido na construção de dois novos reatores em Paks, com vista a aumentar a participação da energia nuclear para 60% da eletricidade do país até 2025.
Em uma União Europeia cada vez mais reservada sobre os benefícios do átomo após o choque com a catástrofe de Fukushima, no Japão, em março de 2011, a iniciativa pode ser surpreendente. A política de Budapeste se inscreve, no entanto, em uma tendência regional. Hungria, Eslováquia, República Tcheca e Polônia, os quatro países que compõem o Grupo de Visegrád, ou V4 (ver abaixo o box "Uma estrutura de apoio mútuo"), fazem da energia nuclear um componente essencial da sua política energética e uma ferramenta de emancipação diante das importações de petróleo russo.
Essa inclinação remonta à cooperação dos regimes do antigo bloco socialista. Em 1958, a falecida Tchecoslováquia tinha iniciado a construção de seu primeiro reator, de tipo experimental KS150/A-1, em Jaslovské Bohunice.2 Colocados em atividade em sua maior parte nos anos 1980, catorze reatores, todos do tipo VVER com água pressurizada, de inspiração soviética, estão hoje a serviço em cinco centrais: Paks, na Hungria; Jaslovské Bohunice e Mochovce, na Eslováquia (quatro reatores produzindo 54% da eletricidade do país); e Dukovany e Temelín, na República Tcheca (seis reatores e 33% da geração de eletricidade). Tal como para a unidade de Paks, as autoridades pretendem estender por um período significativo a atividade da maioria desses reatores. E projetam instalar ali capacidades adicionais, como os dois VVER-440/V-213 de Mochovce, que deverão ser colocados em operação até o final de 2014. Duas novas unidades também devem ser adicionadas a Temelín, uma a Dukovany, e duas a Jaslovské Bohunice.
A República Popular da Polônia havia demorado a iniciar a construção de uma primeira central em Zarnowiec nas margens do mar Báltico. O impacto da explosão do reator 4 de Chernobyl, em abril de 1986, bem como as mudanças políticas e econômicas no final dos anos 1980 tinham tido efeito no projeto. A construção foi interrompida em dezembro de 1990, e os equipamentos destinados à central foram revendidos. "Foi uma benção inesperada para Paks, que teve condições de adquirir um tanque de reator a preço módico", revela Dohóczki com um sorriso sincero. O executivo polonês, que trabalha há vários anos para diversificar sua produção de energia elétrica, atualmente dependente em 86,5% do carvão, lançou um programa de desenvolvimento de energia nuclear que prevê a construção de duas centrais por volta de 2025.
O Grupo de Visegrád é baseado em um apoio tradicionalmente forte do público. Em março de 2010, o eurobarômetro "Os Europeus e a Segurança Nuclear", constatava que 86% dos entrevistados na República Tcheca, 76% na Eslováquia e na Hungria e 70% na Polônia se pronunciavam a favor de manter ou aumentar a cota de energia nuclear no leque energético. "Nenhum estudo comparativo foi realizado em grande escala desde Fukushima, com medo que se revele uma desaprovação significativa. Mas, quase dois anos depois, descobri que não houve um movimento de oposição forte", admite, não sem amargura, Jakub Patocka, ex-líder do Strana Zelených, o partido verde tcheco.
Nenhum partido verde tem assento nos parlamentos nacionais dos V4, exceto os oito deputados do partido húngaro "Outra Política É Possível" (Lehet Más a Politika, LMP).3 "Essa situação nos coloca em desacordo com nossos vizinhos austríacos, que recusaram por meio de um referendo o uso da energia nuclear desde 1978, e especialmente em relação aos alemães e sua EnergieWende [revolução energética]", constata Patocka. De fato, em junho de 2011, o governo de Angela Merkel anunciou o fechamento imediato de oito dos dezessete reatores alemães, e a eliminação progressiva do uso de energia nuclear até 2022. Essa decisão histórica recoloca em questão, pelo menos num plano retórico, as perspectivas do átomo no seio da União Europeia, e explica, em parte, a rejeição pelos eleitores lituanos e búlgaros de projetos de construção de novas usinas em seus territórios.4
À margem de uma Europa assolada pela dúvida, os V4 formam assim um novo "bloco do átomo", que pretende agora fazer respeitar suas orientações. "A Eslováquia teve de se decidir pelo fechamento de dois de seus reatores em Jaslovské Bohunice, porque essa era uma das condições de sua adesão à UE", lembra Kristián Takác, assessor especial do ministro da economia eslovaca. "Nossos especialistas duvidavam da necessidade do fechamento. E, como resultado da perda desses dois reatores, a Eslováquia tornou-se uma importadora líquida de eletricidade." Como na República Tcheca, os projetos de expansão nuclear eslovacos são motivados por um ganho de independência energética, mas também pela perspectiva de exportar a eletricidade para os países vizinhos. "Sem suas capacidades nucleares, a Alemanha logo experimentará uma necessidade crescente de energia elétrica. Estaremos lá para fornecê-la", prevê Takac, muito reservado em relação à política de Berlim.
Especialmente pelo fato de que a "revolução energética" tem consequências significativas na região. "A rede de distribuição alemã não está adaptada para as fortes flutuações de potência no trânsito entre os grandes parques eólicos do norte do país e os centros industriais do sul.5 Perturbações muito preocupantes, portanto, afetam as redes polonesa e tcheca", critica Václav Bartuska, porta-voz do governo tcheco para a expansão da central de Temelín. Poloneses e tchecos estão tentando instalar transformadores e "divisores de fase" em suas fronteiras com a Alemanha para conter esses fluxos instáveis e prevenir um superaquecimento descontrolado. "Quando se fala de consolidar um mercado europeu da energia, a escolha que os alemães fizeram não poderia ser mais egoísta e sem consulta prévia."
Esse não é o primeiro confronto que a República Tcheca tem com seus vizinhos. A construção de Temelín, no final dos anos 1990, havia despertado fortes protestos alemães e austríacos. Paralelamente às ações de organizações antinucleares, que, em setembro de 2000, por exemplo, haviam bloqueado os 26 pontos de passagem entre a Áustria e a República Tcheca, Andreas Molin, porta-voz do governo austríaco para assuntos nucleares, tinha criticado os critérios de segurança de Temelín e reivindicado o alinhamento deles com os das centrais alemãs, que estariam entre os mais elevados da Europa. "Houve uma grande celeuma em torno das centrais desses 'novos' países", lamenta Pál Vincze, chefe do departamento de engenharia da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em Viena.6 "Foi muito barulho por nada. De várias maneiras, suas condições de segurança são, aliás, muito mais elaboradas do que as das centrais de outros países europeus."
Porém, certa desconfiança ainda parece subsistir em ambos os lados da fronteira. Nos corredores do Ministério do Meio Ambiente, em Viena, cada porta é carimbada com o slogan "AtomFrei!" ("Sem energia nuclear!"). Em seu escritório, Molin defende sempre a mesma posição com um tom professoral. "Sim, a segurança das usinas que operam logo além das nossas fronteiras nos preocupa. Não, nós não damos instruções aos nossos vizinhos." Ele não esconde, contudo, sua satisfação com a declaração de uma iniciativa recente do governo, que pretende emitir "certificados de origem" para a eletricidade importada na Áustria a fim de garantir que esta não foi gerada por um reator nuclear. Um sistema complexo, denunciado pelos vizinhos como uma nova forma de ingerência de Viena em sua política energética. "Como consumidores, só pedimos uma garantia de qualidade da energia elétrica que compramos", defende-se Molin. "Pretendemos preservar nosso sucesso em matéria de renováveis. E se tal sistema pode incentivar nossos fornecedores a desenvolver energias 'limpas', tanto melhor."
Do outro lado da fronteira, na República Tcheca, os renováveis fazem ranger os dentes (ver abaixo o box "E as energias renováveis?"). "Não somente nossos países não dispõem da usina hidráulica austríaca ou das eólicas alemãs, como também vemos que eles não são autossuficientes", argumenta Iva Kubánová, gerente de qualidade e de segurança das futuras unidades 3 e 4 da central de Temelín no seio das empresas de energia tchecas (Ceske Energeticke Závody, CEZ), a companhia dominante no mercado nacional. "Mesmo os alemães já reabrem as centrais de carvão para compensar a parada de seus reatores! Não vejo nisso um bom exemplo de desenvolvimento 'verde'. Na República Tcheca, a energia nuclear é acessível, confiável e limpa."
Como a Magyar Villamos Muvek Zrt. (MVM) na Hungria e a Slovenské Elektrárne-ENEL na Eslováquia,7 a empresa tcheca confere a si os meios de fazer valer seus argumentos. No vilarejo de Temelin, a menos de 3 quilômetros da central, a cor laranja do logotipo da CEZ está em toda parte, inclusive nas instalações do clube de futebol e do bar-restaurante local. Em 2011, o grupo gastou 432,7 milhões de coroas tchecas (aproximadamente R$ 35 milhões) em programas de patrocínio, especialmente nas regiões onde estão localizadas as centrais. "Queremos ser vistos como bons vizinhos. É normal que possamos contribuir para a vida das comunidades afetadas", diz Kubánová.
"Isso é propaganda", denuncia Jan Haverkamp, responsável por várias campanhas antinucleares para o Greenpeace e alvo do ódio das empresas energéticas locais. "Suas assim chamadas campanhas de informação visam somente a demonstrar por A + B que a energia nuclear é totalmente segura, e que não existe uma alternativa digna de crédito. E, em paralelo, eles compram a opinião pública com generosas doações."
O argumento encontra um eco certeiro ao norte, enquanto o governo polonês e a Polska Grupa Energetyczna (PGE SA, grupo de energia da Polônia), a maior produtora de eletricidade do país, lançaram uma série de consultas sobre a colocação em prática do programa de energia nuclear adotado em janeiro de 2011. De acordo com o primeiro-ministro Donald Tusk, a construção de duas centrais, que produziriam sozinhas 6 mil megawatts (MW) de energia elétrica, exigiria 40 bilhões de zlotys (cerca de R$ 25 bilhões). "Esperamos colocar o primeiro reator em operação em 2023-2024", afirma Hanna Trojanowska, subsecretária de Estado para a Economia e plenipotenciária de Energia Nuclear, ao mesmo tempo que reconhece que, uma vez concluída, a usina produzirá 17% da eletricidade do país.
"A Polônia é o último grande país na Europa a não ter vivido sua 'experiência nuclear'. Não acho que esse projeto atenda a uma necessidade real, mas sim a uma questão de orgulho nacional", assinala Andrzej Rozenek, porta-voz do Ruch Palikota (Movimento de Palikot) na Sejm (Dieta), a câmara baixa do Parlamento. Ainda que a maioria das forças políticas apoie a produção de energia nuclear na Polônia, o átomo parece ser menos consenso ali do que nos V4. O programa só foi apoiado por 52% da população no final de 2012, e enfrenta forte contestação, especialmente na seleção dos locais para a construção das usinas de energia. "Os moradores do vilarejo de Gąski se pronunciaram de forma clara, por referendo, contra a instalação de uma usina no município. Se o governo polonês diz ser democrático, é impossível que ele se sobreponha a isso", defende Beata Maciejewska, cofundadora do think-tank Zielony Instytut (Instituto Verde). Hanna Trojanowska não planeja organizar um referendo nacional, mas garante receber apoio crescente do público polonês à medida que progride a campanha de "informação e educação" que está promovendo. Uma campanha, que seria semelhante, também na Polônia, a um tipo de "propaganda", diz Maciejewska, condenando a "teimosia" do governo como um "absurdo, especialmente em um período de desaceleração econômica".
A Polônia, que garante em 2012-2013 a presidência rotativa do Grupo Visegrád, estabeleceu entre suas prioridades a "promoção da energia nuclear como fonte de energia equivalente [a outras fontes]" e a criação de um grupo de trabalho intergovernamental sobre o tema. Apesar da recente integração dos mercados de eletricidade tcheco, eslovaco e húngaro, a modernização e a melhoria das interconexões regionais, condição para uma verdadeira regionalização da geração nuclear, no entanto, não está na ordem do dia. "Cada um quer a sua central", diz Gérard Cognet, delegado do Comissariado de Energia Atômica (CEA) para a região. "Mas, se todas elas forem construídas, todas juntas não poderão exportar para a Alemanha, lembrando que seu modelo de negócio é baseado na exportação."
Resta saber quem vai construir essas centrais e esses reatores. A França está muito envolvida no desenvolvimento de uma indústria nuclear na Polônia desde um encontro havido entre Tusk e Nicolas Sarkozy, em 5 de novembro de 2009. Nela, a Areva e sua parceira Electricité de France (EDF) propuseram reatores pressurizados europeus (Evolutionary Power Reactor, EPR) e estão entre os favoritos na seleção, que as opõe por hora ao grupo nipo-americano GE Hitachi e à norte-americana Westinghouse (controlada pela japonesa Toshiba). A publicação de uma concorrência está prevista para no máximo 2015. "Essa concorrência é fundamental para a Areva. Esta será sua última chance na região", declara, sorrindo, Haverkamp. Ele se refere à expulsão do grupo francês da competição para a construção das unidades 3 e 4 de Temelín, oficialmente por não atendimento dos requisitos legais do procedimento da concorrência.8 Uma exclusão "lamentável e difícil de compreender" na visão de Kubánová, tanto mais pelo fato de essa concorrência ser considerada uma primeira etapa para os outros projetos de reatores na região, impulsionados em parte pelo consórcio Jadrová Energetická Spoločnosť Slovenska (Jess, empresa de energia nuclear da Eslováquia), da qual são coproprietárias a eslovaca Jadrová a Vyradovacia Spolocnost(Javys, Empresa Nuclear e de Desmantelamento) e a CEZ. Permanecem na disputa a Westinghouse, assim como um consórcio formado pelas empresas russas Atomstroïexport e Gidropress e pela tcheca Skoda JS, por sua vez controlada pela russa Fábricas Unidas de Maquinaria Pesada (Objedinennye Mashinostroitelnye Zavody, ZOM).
"Quando uma empresa é pequena, na sua estratégia de comunicação, espera-se que um dos seus concorrentes se beneficie disso. Foi exatamente o que aconteceu", analisa Konstantin Jacoby, consultor independente de energia com sede em Bratislava. Relembrando, com um toque de cinismo, que decisões geoestratégicas dessa magnitude têm a ver mais com as altas esferas políticas do que com simples regras da concorrência. "Os russos se tornaram essenciais na região", observa. "Eles contam com benefícios substanciais, como o conhecimento da tecnologia em atividade ou redes científicas e políticas formadas na década de 1980. Sua força está também em oferecer um 'pacote de presentes': construção, manutenção, gestão de resíduos etc. Eles até oferecem um financiamento complementar se necessário, como aparentemente é o caso da Hungria." Por trás desse pequeno homem cheio de vontade, um mapa detalha a localização das centrais no antigo espaço soviético, que forma círculos concêntricos a partir do coração industrial da Rússia. "O que é agora chamado de Europa central e oriental constitui o mercado natural da Rússia, organizado para proteger as áreas de produção do antigo império. Moscou não quer perder o controle sobre a rede existente."
A companhia estatal russa Rosatom também está trabalhando para construir uma central no enclave de Kaliningrado, e prevê sua colocação em operação em 2017. De sua parte, a Atomstroïexport se encarrega da construção de uma usina no oeste da Bielorrúsia, em grande parte financiada por fundos russos, cujo funcionamento está previsto para 2018-2019. A produção dessas centrais, destinada em parte à exportação, redefinirá o mapa de energia da região, fazendo da Rússia um fornecedor de eletricidade central.
Em outras capitais, esse ativismo também não passa despercebido. Em Budapeste, o especialista Péter Rohonyi, ex-Greenpeace, se diz certo de que os próximos dois reatores de Paks serão russos: "Nenhum governo húngaro nunca se rebelou contra a dependência energética da Rússia, como os poloneses foram capazes de fazer. Além disso, o urânio usado em Paks também vem quase inteiramente da Rússia". Ele chega mesmo a pensar numa eventual ajuda russa no financiamento das novas unidades de Paks, que aliviariam um Estado húngaro em grande dificuldade orçamentária. "Vemos que a CEZ não é tão forte como eles dizem, e não excluo a possibilidade de que ela saia do consórcio Jess. E, nesse caso, quem assumiria?", indaga, um pouco provocante. Uma pergunta para a qual Jacoby não tem resposta. Mas, para ele, a questão é clara: "Quem quer que ganhe a concorrência da Temelín ganhará o mercado do Leste Europeu".
Agora elevados à categoria de grandes clientes de uma indústria europeia com futuro incerto desde o acidente de Fukushima, os países do Grupo de Visegrád ilustram um paradoxo: considerada na região como uma garantia de independência energética, a revitalização da energia nuclear está, no entanto, intimamente ligada à Rússia. E pode continuar assim pelas próximas décadas.
BOX:
E as energias renováveis?
"O carvão foi a energia do século XIX, a nuclear, a do século XX. Agora, os países mais avançados da Europa mostram que as energias renováveis são as do século XXI. Mas o governo polonês nada faz para se livrar da nossa dependência do carvão e, ainda por cima, quer passar para a energia nuclear? Isso não faz sentido!" Com os olhos arregalados por trás dos grandes óculos verdes, Dariusz Swzed, cofundador do partido polonês Zieloni 2004 (Verde 2004), fica indignado com "a inconsciência ecológica" do governo de Donald Tusk em particular, e dos líderes dos V4 em geral. Estes planejam aumentar a cota das energias renováveis, sejam elas a eólica, a solar ou a de biomassa na geração de energia elétrica até 2020. Mas suas ambições são inferiores aos objetivos da Estratégia Europa 2020, que visa a produzir nessa época 20% da eletricidade da União Europeia a partir de energias renováveis. A Polônia, que tabela pelo mesmo prazo, em uma proporção de 15,48%, tem a meta de 16% até 2030.
"Sem a União Europeia, não haveria desenvolvimento das energias renováveis na região", prossegue Swzed. "A popularidade do átomo é uma manifestação clara da 'corpocracia' em que vivemos. Os grupos industriais do setor não têm interesse na descentralização dos centros de produção." De acordo com um estudo da associação de ONG Coalizão para o Clima (Koalicja Klimatyczna), seria possível produzir pelo menos 19% da eletricidade polonesa a partir de fontes renováveis até 2020, e assegurar em seguida um aumento de 2% ao ano.
Uma estimativa irreal, diz Hanna Trojanowska, subsecretária de Estado para a Economia e plenipotenciária para a energia nuclear: "As energias renováveis são importantes para o nosso futuro. Mas, por causa da sua menor capacidade, elas nunca terão condições de substituir as usinas nucleares". Uma opinião compartilhada por Iva Kubánová, gerente de qualidade e segurança das futuras unidades 3 e 4 da central de Temelín nas Empresas Tchecas de Energia (Ceske Energeticke Závody CEZ), a empresa energética dominante no mercado tcheco: "A CEZ investiu em energias renováveis onde isso é pertinente. Operamos em um dos maiores parques eólicos da Europa, em Fântânele-Cogealac, na Romênia. Mas, em nossos países, o potencial e os meios são muito mais baixos, e é bem maior o custo de funcionamento da energia renovável".
"Na Romênia, a CEZ não tem interesse na energia nuclear, e pode, portanto, investir em energias renováveis", decifra Jan Haverkamp, do Greenpeace. "Mas, na República Tcheca, entre 2009 e 2011, a empresa realizou com o governo um impulso artificial dos painéis solares. Isso resultou em um forte desperdício de subsídios públicos, em um fraco retorno sobre o investimento e em um descrédito quase total da energia solar. É muito revelador: na região, não há nenhuma possibilidade para as energias renováveis." [H. B. e S. G.]
Uma estrutura de apoio mútuo
O Grupo de Visegrád (V4) nasceu em fevereiro de 1991 em uma reunião de cúpula entre Polônia, Hungria e Tchecoslováquia na cidadela medieval de Visegrád, Hungria.
Originalmente concebido como uma estrutura de apoio mútuo para a integração europeia de uma região recém-libertada da tutela soviética, o grupo sobreviveu à adesão dos quatro países à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e à União Europeia, para se transformar em um fórum intergovernamental. Na ausência de instituições permanentes, ele dispõe de uma presidência rotativa anual, assim como do Fundo Internacional Visegrád. Com um orçamento de 7 milhões de euros em 2012, este visa conceder bolsas de estudo assim como subvenções artísticas e culturais.
A cooperação entre os V4 se refere a áreas específicas, como educação ou defesa. Em março de 2013, a criação de uma força militar comum de intervenção com 3 mil homens, que entrará em operação até 2016, foi anunciada. Trata-se de uma iniciativa conjunta com o Triângulo de Weimar, que inclui a França, a Alemanha e a Polônia. Os esforços para criar um espaço de energia regional permanecem, no entanto, quase nulos. [S. G. e H. B.]
Hélène Bienvenu e Sébastien Gobert
Jornalistas
1 A Ines tem oito níveis numerados de 0 a 7.
2 Após um acidente de tipo Ines 4 ocorrido durante a recarga do combustível nuclear, em 1977, esse reator foi desligado. Atualmente, está sendo desmantelado. Dois reatores VVER-440/V-230 foram iniciados em Jaslovské Bohunice em 1978 e 1980. Com seus critérios de segurança sendo julgados inadequados por especialistas internacionais, acabaram sendo desativados em 2006 e 2008.
3 A LMP dispunha de quinze deputados no Parlamento até a cisão do partido em janeiro de 2013. No entanto, os sete deputados dissidentes continuam a reivindicar sua filiação ecológica.
4 Na Lituânia, 64,77% dos eleitores no referendo consultivo de 14 de outubro de 2012 se pronunciaram contra a construção de uma nova central nuclear. Em contraste, os eleitores búlgaros apoiaram, numa porcentagem de 61,49%, um projeto semelhante em 27 de janeiro de 2013. Mas, como a taxa de participação não ultrapassou 20,22% em vez dos 60% exigidos, os resultados da votação foram invalidados.
5 Ler Aurélien Bernier, "L'acheminement de l'électricité verte, alibi de la privatisation" [O fornecimento da eletricidade verde, álibi da privatização], Le Monde Diplomatique, maio 2013.
6 Ler Agnes Sinai, "Un gendarme du nucléaire bien peu indépendant" [Um policial da energia nuclear bem pouco independente], Le Monde Diplomatique, dez. 2012.
7 Magyar Villamos MűvekZrt.: Empresa de Energia Húngara; Slovenské Elektrárne: Eletricidade da Eslováquia. O Enel é um grupo de energia italiano.
8 Segundo a direção da Areva, "a decisão de exclusão foi tomada em violação da lei tcheca e do código dos mercados públicos". Um primeiro recurso foi rejeitado em fevereiro de 2013. O grupo entrou com um segundo recurso, em meados de março.