Síria: verdades e mentiras e a mídia do Pentágono
27.02.2012
Síria: verdades e mentiras e a mídia do
Pentágono
Futuro da Revolução Árabe relaciona-se com o que
ocorre na Síria
Gostaria muito de tratar mais globalmente sobre a Revolução Árabe,
iniciada há pouco mais de um ano. Poderia tratar do Egito e suas eleições,
também ocorridas na Tunísia ou mesmo no Iêmen, cujo ditador acaba de cair e deve
refugiar-se em alguma monarquia reacionária árabe ou mesmo nos EUA (seu vice
assumiu, mas segue sendo ditadura). No entanto, a pauta segue sendo a Síria. Por
isso, voltamos ao tema neste artigo.
Verdades e Mentiras sobre a
Síria:
Muito já se disse sobre o que ocorre na Síria
hoje. Os meios de comunicação de massa, nacionais e internacionais, expressam o
que pensa o Pentágono. Com honrosas exceções, tudo que recebemos no Brasil em
particular, publicados em língua pátria na Folha, Globo e Estadão reproduz quase
que sem retirar nenhuma frase, o que as agências noticiosas internacionais
despacham para o mundo todo. Agências, diga-se de passagem, que sequer possuem
um só correspondente em Damasco, capital da Síria. A seguir, para auxiliar nossos leitores, fazemos
um pequeno resumo de tudo que se diz sobre a República Árabe da Síria. Resumimos
15 pontos que se destacam na atualidade.
1. Governo de Bashar Al-Assad mata
milhares - Mentira.
Dia após dia, manchetes garrafais estampam que o
governo vem matando "milhares" de sírios, todos "inocentes". A única fonte de
informação que o Ocidente inteiro possui sobre tais "dados" de mortes é de um
obscuro Observatório Sírio de Direitos Humanos (sic), com sede em Londres e que
recebe farto financiamento de países do Golfo Pérsico, todos, sem exceção,
monarquias antidemocráticas, absolutistas e extremamente reacionárias e
pró-EUA.
Como isso esta ficando uma vergonha para quem
pratica um jornalismo sério, a grande imprensa, quando publica os números
"assustadores" de mortos, ultimamente vem pelo menos acrescentando sempre
"segundo o Observatório Sírio de DH", que "não puderam ser comprovadas".
De fato, os únicos dados confiáveis são os
fornecidos pelo próprio governo, que atesta que pelo menos dois mil soldados,
policiais e cidadãos sírios foram assassinados por grupos terroristas e
mercenários, seja em ataques diretos ou em atentados a bomba que vêm ocorrendo
com maior intensidade nas últimas semanas.
2. Exército Síria Livre é formado por
desertores - Mentira.
Não há desertores no Exército sírio. Pelo menos
não em expressão. Todas as deserções em todas as divisões do Exército da
República Árabe da Síria são pontuais e ocorrem apenas e exclusivamente na baixa
oficialidade.
O que se tem de concreto é que essa organização é
composta de mercenários altamente remunerados, usando armas contrabandeadas,
inclusive do arsenal líbio. Se um AK-47, fuzil de assalto mais famoso no mundo,
podia ser comprado a cem dólares tempos atrás, hoje, com os bilhões de dólares
que a Arábia Saudita e o Qatar vêm despejando para a derrubada do governo do Dr.
Bashar, não se compra uma arma dessa, muito popular, por menos que 1,5 mil
dólares.
Esse tal "exército" esta acampado na fronteira
com a Turquia e por esta é estimulado e seu comando vem de Istambul. O governo
turco, que presta um péssimo papel achando que voltará a ter o comando do
sultanato otomano, tem procurado dar guarida a essa milícia terrorista e
facínora, apoiada por Israel e pelos EUA. Seu "comandante", o coronel desertor
Riad El Assad, esta na folha de pagamento do Departamento de Estado.
3. Liga Árabe pede Democracia e Liberdade
na Síria - Mentira. Não tem moral para isso.
A Liga Árabe, organismo multilateral fundado em
1945, é integrado pelos 21 países árabes e a OLP que representa a Palestina.
Ainda que possa ser duvidoso que em algum momento tenha cumprido algum papel
relevante na vida dos árabes, a certeza é de que hoje ela é um organismo
fracassado.
Tomado de assalto pelas monarquias do Golfo, com
seus bilhões de dólares, esse organismo presta-se hoje como auxiliar tanto do CS
da ONU, quanto da União Europeia e dos EUA. De árabe essa tal Liga não tem mais
nada. Não representa mais os anseios e as verdadeiras aspirações do povo árabe,
que hoje são quase 400 milhões de pessoas.
Esse organismo serve apenas para propor ao CS da
ONU resoluções que os EUA e a União Europeia não teriam a coragem de propor. Os
petrodólares da Casa de Saud e do emirado do Qatar é que sustentam a
organização. Esta completamente esvaziada. Iraque, Líbano, Argélia e a própria
Síria nem mais tem comparecido às reuniões, que perderam completamente a sua
eficácia.
Mas, o que é pior. Que moral tem a Arábia Saudita
e o Qatar em pedir democracia na Síria? Falam em liberdade, mas não a praticam
em seus países, que não tem parlamento e nenhum partido funcionando. Uma
hipocrisia completa. Uma falsa moralidade. Indignam-se com o que ocorre na
Síria, mas é uma indignação seletiva.
4. Rússia e China vetam resolução
anti-Síria na ONU - Verdade. E ambos têm suas razões.
Essas duas potências mundiais - ambos BRICS -
ficaram escaldadas com o golpe europeu-estadunidense que, usando a OTAN,
rasgaram a resolução 1973 de 17 de março de 2011, que mencionava apenas
"proteção" a civis líbios. Com essa resolução a OTAN bombardeou toda a Líbia na
linha da ordem dada por Obama/Hilary: derrubem o regime! A linha foi a da
mudança de regime, coisa que só o povo líbio teria poder de decidir. Assassinaram mais de 200 mil
líbios!
Os EUA e seus clientes europeus não aceitaram
nenhuma modificação proposta por estes dois países na nova resolução proposta em
4 de fevereiro passado. E pior que isso. Expressaram sua indignação sobre o veto
exercido dentro das regras da Carta das Nações. Quando os EUA vetam dezenas de
resoluções contra Israel no CS/ONU nada se fala. Uma vez na vida duas potências
vetam uma resolução que abriria brecha para a OTAN atacar a Síria, vem a
indignação seletiva.
A embaixadora dos EUA da ONU, Susan Rice, chegou
a dizer que o "mundo não poderia ficar refém de dois países" (sic). Tenho em
mãos uma pesquisa sobre os vetos dos EUA contra resoluções a favor dos
palestinos e que criticavam Israel. A pesquisa compreende apenas dez anos (1972
a 1982). Só nesse curto período foram
exatos 43 resoluções vetadas pelos EUA!
Hoje, felizmente, tanto a China como a Rússia têm
visto o que realmente ocorre no OM. Derrubar o governo da Síria hoje, passando
por cima da soberania desse país árabe pode significar ainda um maior
fortalecimento do imperialismo estadunidense e seus estados clientes
europeus.
O fato é que a Rússia volta com força ao cenário
internacional. Não titubeou nenhuma vez em defesa da soberania síria. Enviou
armas e uma frota naval esta ancorada no estratégico porto de Tartous. Como já
vimos falando, a unipolaridade no mundo tende ao seu fim. Vários pólos vão sendo
criados e a Rússia vai ganhando seu espaço, fazendo-se ouvir depois de mais de
vinte anos de um mundo unipolar.
5. EUA, Israel e seus aliados árabes são
os maiores inimigos - Verdade. É preciso que sejam dados nomes aos
bois.
Os maiores entraves para o avanço da Revolução no
mundo Árabe são as petromonarquias. Elas têm nome: Arábia Saudita, Kuwait,
Emirados Árabes, Qatar, Omã e Bahrein. A esses se somam países que não são
fortes produtores de petróleo, mas são monarquias reacionárias e pró-EUA, como a
Jordânia e o Marrocos.
O centro da resistência ao avanço revolucionário
árabe vem de Riad, no reino dos sauditas. Estes reservaram em 2011 mais de cem
bilhões de dólares para a contrarevolução. E contratam mercenários a peso de
ouro. Apoiados pelos EUA, ainda que discretamente, e mais discretamente por
Israel e sua inteligência do Mossad. Isso esta amplamente documentado. Pelo
WikiLeaks e pela imprensa verdadeiramente livre e a blogosfera.
6. Se a Síria cair, isso reflete em todo
o OM - Verdade.
Há hoje um eixo de resistência ao imperialismo
estadunidense. Esse eixo apoia as mudanças profundas no OM, apoia a causa
palestina, faz oposição à Israel, defende o rompimentos dos acordos de paz
assinados com esse país pelo Egito e Jordânia, de forma unilateral.
O bloco de países que integram o eixo da
resistência são hoje, além da Síria, o Iraque, Líbano, a Argélia e o Irã (que é
persa). O Partido de Deus (Hezbolláh), do Líbano, que forma governo com os
cristãos patrióticos (maronitas do Marada e MPL de Aoun), sunitas e xiitas de
várias organizações (Amal de Berri e drusos de Jumblat) e o PC Libanês de
Khaled, seria o primeiro a sofrer consequências. O Hezbolláh - apesar do nome, é
uma organização política e não defende no Líbano um estado religioso - além de
muitos deputados e ministros, tem a maior milícia armada de resistência ao
exército sionista de Israel que insiste em ocupar o Sul do país.
A própria luta de resistência palestina contra a
ocupação, com todas as suas organização que compõem a OLP e o Hamas (que não
integra a Organização), se enfraqueceriam imensamente com a queda do governo
sírio e a instalação nesse país de um governo pró-EUA.
7. A Irmandade Muçulmana encabeça a
oposição na Síria - Verdade.
Essa organização tem seus tentáculos em mais de
70 países. Fundada por Hassan El-Bana em 1928, funciona como partido político,
tendo uma ideologia de caráter teológico de linha islâmica fundamentalista. Na
maioria das ditaduras e monarquias árabes, cujas liberdades partidárias são
praticamente nenhuma, a única forma de uma parte da população expressar-se acaba
sendo por essa Irmandade.
Não fiquei surpreso com o fato do seu braço
político recém legalizado no Egito e na Tunísia terem ficado em primeiro lugar
nas eleições ocorridas recentemente após a queda dos ditadores desses países.
Não havia outra forma de expressão política além do islamismo, além da máscara
de apelo ao Islã fundamentalista.
No entanto, é preciso deixar claro. Em que pese
esse pessoal ter jogado algum papel na resistência à ditadura Mubarak, sempre
fez acordos com ele. Aceitavam as regras do jogo, qual seja, que a oposição ao
ditador pudesse chegar a no máximo 20% dos votos - eleições fraudadas - tanto
para presidente como no parlamento.
A Irmandade é uma organização conservadora, que
prega o fundamentalismo islâmico mais próximo do Wahabiya - linha da família
Al-Saud, portanto sunitas. Sempre foi e sempre será anticomunista. Por baixo do
pano sempre fez acordos, inclusive com o imperialismo britânico e mais
recentemente o norte-americano. Seus líderes rapidamente disseram, depois dos
resultados das eleições parlamentares no Egito, onde venceram, que não romperiam
o acordo de paz com Israel.
Hoje, na Síria, os principais líderes da
insurreição interna, que organizam os ataques terroristas aos prédios públicos,
oleodutos, gasodutos, escolas e hospitais, são membros da Irmandade. Lamentável.
Mas é a verdade amplamente documentada, mas omitida pela grande imprensa.
8. A oposição síria não tem unidade e tem
força no exterior apenas - Verdade. Mas a grande imprensa não mostra
isso.
É preciso que se diga. Há duas oposições na síria
hoje. Uma interna e outra que funciona apenas e tão somente no exterior.
A que tem sede no exterior, seus escritórios
ficam em Londres, Paris e Istambul. Esta não tem credibilidade alguma.
Financiada pelas monarquias do Golfo e pelo Departamento de Estado - amplamente
documentado - elas vivem para dar entrevistas na grande mídia internacional, que
repercute amplamente essas "reportagens". No Brasil, a Folha e o Estadão
publicaram várias delas. Todas falsas, sem provas, com "líderes" que nunca
ninguém viu. É uma oposição sem respaldo algum junto ao povo sírio. Defende
abertamente uma resolução no CS/ONU que abra a possibilidade - que eles tanto
sonham - da OTAN atacar a Síria. Como acreditar em "lideranças" que pedem que
potências estrangeiras bombardeiem seu próprio país, ainda que a pretexto de
"proteger civis inocentes"?
Há outra oposição. A interna. No entanto, esta
também se divide em duas grandes partes. Uma delas, participa do chamado Diálogo
Nacional. Há uma mesa de negociações formada pelo governo da Síria. No rumo das
mudanças que o país precisa de fato. E, tais mudanças, vêm ocorrendo (falaremos
disso mais à frente). Não se sabe o tamanho dessa oposição. As eleições marcadas
para o mês que vem devem mostrar a dimensão dessa oposição. Essa oposição prega
a construção de um governo de unidade nacional. Em hipótese alguma defende a
intervenção externa. Diz que os problemas dos sírios devem ser resolvidos pelos
próprios sírios, sem ingerência externa.
A outra parte da oposição interna, não dialoga
com o governo. Esta radicalizada. Arma-se até os dentes e apoia a sabotagem de
prédios públicos. Alia-se com o autointitulado Exército da Síria Livre e com o
Conselho Nacional Sírio. Prega também abertamente a intervenção externa, ainda
que não de forma clara defenda os ataques da OTAN. Faz, na prática, o jogo das
potências imperialistas.
A oposição não se unifica. Há pelo menos 53
grupos políticos e tendências atuando de forma conflitiva no tal Conselho
Nacional Sírio, organismo criado no exterior e apoiado pelos EUA. Em reuniões
com autoridades europeias, essa tal oposição exige que sejam feitas várias
reuniões, pois eles não conseguem sequer sentar-se à mesma mesa. Não há unidade
política entre eles. Talvez o único ponto em comum seja remover Assad do poder.
Nada mais. Mesmo que as reformas sejam profundas - como esta ocorrendo de fato -
isso hoje pouco importa. A única agenda, a agenda da CIA, dos EUA, de Israel, da
Casa de Saud e do Mossad é mudar o regime. Nada mais lhes interessa.
Tanto a externa, quanto à interna que não dialoga
com o governo, possuem amplo e plena interlocução em especial com os EUA,
Inglaterra e França.
9. Bashar Al-Assad é um sanguinário e
genocida - Mentira.
É evidente que os processos eleitorais tanto na
Síria quanto em qualquer país árabe não seguem os padrões que vivemos no Brasil
e no Ocidente. No entanto, não se pode falar em democracia na Síria e não se
falar desse tema nos outros países árabes. Mesmo no Ocidente. Agora mesmo na
Grécia se pede inclusive suspensão das eleições para que um possível novo
governo de oposição não rompa os acordos de traição nacional que estão sendo
assinados às claras e abertamente.
Os mesmos monarcas que falam em "democracia" na
Síria, são os que mais reprimem seus próprios povos, como na Arábia Saudita,
Qatar e Bahrein. Essa gente não tolera manifestação, não tolera povo organizado.
Essas monarquias sequer possuem parlamento funcionando, partidos políticos são
proibidos.
Em que pese todas as restrições às amplas
liberdades na República Árabe da Síria, esse país ainda é o mais livre em termos
de funcionamento de partidos políticos em todo o Oriente Médio. São oito os
partidos políticos existentes e legalizados. Claro, o Partido Socialista Árabe
Sírio, o Baath é o maior e do governo. Esta no poder há pelo menos 42 anos. Mas
temos dois partidos comunistas no país funcionando. Temos o Partido Nacional
Sírio e outros. Depois dos pleitos por reformas amplas, outros cinco partidos
foram legalizados, ampliando para 13 o número de partidos com direito a
concorrer nas próximas eleições.
O relatório dos observadores da Liga dos Estados
Árabes - 160 pessoas que ficaram na síria por trinta dias - menciona em uma
parte que contataram e viram funcionando 147 órgãos de imprensa nesse país
árabe! Entre rádios, TVs e jornais que circulam amplamente.
Bem ou mal, as eleições para o parlamento sírio
ocorrem a cada quatro anos e os oito partidos funcionam livremente. Não é a
democracia mais avançada, popular, que defendemos, mas não se pode dizer que as
restrições são totais. Há muito que se fazer. E esta sendo feito. Mas, a grande
imprensa não divulga uma só linha sobre tudo isso. Chegou às minhas mãos - nunca
divulgadas pela grande imprensa - um conjunto de 33 grandes medidas, ações
governamentais, decretos e leis adotadas entre abril de 2011 e fevereiro de 2012
que mudam completamente a realidade política desse país árabe.
10. A Síria é o único país árabe hoje a
apoiar com firmeza a causa palestina - Verdade.
E não se pode falar em apoio pela metade,
parciais. Apenas a Síria, em sua capital, funcionam escritórios de todas as
organizações da resistência palestina. O enfrentamento que o povo e o governo da
Síria vêm dando à Israel, contra as ocupações que o estado sionista faz em
terras árabes é o maior que se te visto em todo o OM.
Desde a derrubada do governo de Saddam Hussein e
seu assassinato, que procurava dar enfrentamento à ocupação estadunidense de
toda a região; desde a queda e o assassinato de Muammar Khadaffi em outubro
passado, um a um foram caindo todos os focos de resistência ao imperialismo
estadunidense e à Israel. Restou a Síria. É preciso instalar governos dóceis aos
norte-americanos e aos sionistas em todo o mundo árabe para que se complete seu
projeto neocolonial na região.
E é preciso deixar claro: derrubar Bashar hoje
significa enfraquecer a resistência libanesa e palestina e isolar completamente
o Irã! Quem não compreender essa geopolítica no OM não entende nada nem de OM
nem de política internacional!
11. A OTAN e a Al Qaeda estão em aliança
- Verdade.
Aqui é preciso esclarecer muitas coisas. Ainda
que isso possa parecer inacreditável, para quem foi bombardeado durante anos com
a informação de que a rede Al Qaeda de Osama Bin Laden sempre foi uma rede
terrorista, que teriam feito os atentados às torres gêmeas em 11 de setembro de
2001, isso pode parecer mesmo um verdadeiro absurdo. Mas não é.
Escritores, jornalistas independentes e
intelectuais progressista a cada dia vêm trazendo informações precisas e
importantes que comprovam essa informação. E os próprios comunicados da
organização Al Qaeda pelo seu novo "comandante", o médico pediatra egípcio Ayman
Al Zawahiri atestam isso. Textos recentes da lavra desse senhor ou a ele
atribuídos, mencionam a importância fundamental da derrubada do governo sírio em
aliança com as forças do autoproclamado Exército Síria Livre. E essa organização
prega o Estado Islâmico.
Essa organização faz questão de não dialogar com
o governo. Foi assim na Líbia quando ela apoiou abertamente a queda de Khadaffi
e fez aliança com as forças da OTAN. Agora, da mesma forma, conversações de alto
(?) nível entre emissários dessa organização militar europeia - agora mundial! -
com líderes da Al Qaeda que atuam na Síria mostra essa aliança, que é abastecida
fartamente com dólares do petróleo árabe das monarquias do Golfo e dinheiro da
CIA e do Mossad de Israel, via território curdo.
Como diz Pepe Escobar, combativo jornalista
brasileiro correspondente do Asia Times, "quem imaginaria que o que a Casa de
Saud deseja ver na Síria é exatamente o que a Al Qaeda deseja para a Síria? Quem
imaginaria que o CCG e a OTAN desejam para a Síria é o mesmo que a Al Qaeda
deseja para esse país?".
12. A Turquia e seu governo deram as
costas para os árabes - Verdade.
É lamentável ter que reconhecer isso, mas o
governo de Recep Tayyip Erdogan, cujo partido governa a Turquia há quase nove
anos (desde 14 de março de 2003), com o seu Partido da Justiça e do
Desenvolvimento - PJD (em turco AKP, ou Adalet ve Kalninma Partisi), tem outros
projetos para seu país e para uma liderança de toda a região.
Como bem sabemos, a região do OM é habitada por
diversos povos. Além do árabe, que são a esmagadora maioria, temos ainda os
persas (Irã), os judeus (Israel) e os turcos na Turquia, que é um país laico
(apesar de 97% da população pertencer ao islamismo sunita) e foi ocidentalizado
de tal forma que até seu alfabeto foi modificado. A separação das entidades e
instituições religiosas do Estado é absoluta. No entanto, com Erdogan isso vem
sendo gradativamente modificado.
Na verdade, esse Partido vem vencendo as eleições
por, gradativamente, ir modificando o cenário turco de tal forma que boa parte
da população já admite certa islamização da sociedade. A imprensa apresenta
Erdogan como membro de um partido "muçulmano moderado" (sic) sabe-se lá o que
isso significa.
No entanto, o grande sonho, o grande projeto
desse Partido, o AKP (em turco), é integrar-se à Europa. Isso o falecido
cientista político estadunidense Samuel Huntington já havia previsto em seu
artigo clássico da Foreing Office de 1995 que causou polêmica acadêmica no mundo
todo intitulado Clash of Civilization (Choque de Civilizações, posteriormente
transformado em livro pela Editora Objetiva, em 1997).
A crítica que a Turquia receberia desse
intelectual era de que o país viraria as costas para o mundo islâmico e teria
maiores interesses em olhar para a Europa. Hungtinton afirmaria - quase que como
uma profecia - que ele nunca seria admitido na Europa, por ser o continente
extremamente preconceituoso, cristão e antiislâmico, por mais que a Turquia
fosse um país laico. Sabe-se que o Vaticano se pronuncia contra o ingresso da
Turquia na Europa. Era discreto com João Paulo II e agora é aberto com Bento
XVI.
Nesse sentido, desde 2003 Erdogan vem se
aproximando da Europa. Seu país é membro da OTAN e tem bases militares dessa
organização militar, antes contra a URSS e hoje contra qualquer mudança
progressista ou revolucionária em qualquer país do mundo. Chegou a ensaiar
passos contra Israel. Não é para menos. O governo sionista de Netanyahú
interceptou em 2010 uma flotilha de vários navios e fuzilou nove cidadãos
turcos. Erdogan teve que subir o tom. Chegou a jogar um papel importante na
tentativa de tirar o Irã do isolamento em seu programa nuclear que contou com o
apoio de Lula do Brasil.
Mas, mudou de posição. Voltou ao que sempre foi.
Tem um sonho de ser a grande liderança do Oriente Médio e dos árabes inclusive.
Baixou completamente o tom de voz contra Israel. Apoiou os ataques da
OTAN/Europa à Líbia e apoia abertamente a derrubada do governo da Síria em uma
clara ingerência nos assuntos internos de um país vizinho que teria que
respeitar. Dá abrigo ao exército mercenário estacionado nas suas fronteiras com
a Síria. Faz uma manobra arriscada. Coloca em pé de guerra todos os milhões de
curdos que vivem em território turco que odeiam o seu governo (pelo menos na
Síria eles são melhores tratados). A política de Erdogan de "zero problemas com
os vizinhos" hoje vemos uma situação de "zero amigos".
Talvez sonhe com a volta do império
turco-otomano. Mas não há espaço para isso. Ele terá que fazer escolha. E, neste
momento, vem escolhendo o que tem de pior para o mundo árabe e para toda a Ásia,
qual seja, uma aliança tácita com o imperialismo estadunidense e europeu.
Lamentamos por isso.
13. Relatório sobre a Situação da Síria
só Vale Quando Fala Mal do Governo - Verdade.
Dois relatórios foram produzidos nos últimos 90
dias sobre a Síria. Um, da lavra do representante da ONU para Direitos Humanos
na Síria, o brasileiro e meu colega sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro, da USP e
outro, assinado pelo general sudanês, Mohammed Ahmad Al-Dabi.
Escrevi um artigo sobre o primeiro relatório. O
Prof. Paulo Sério sequer entrou na Síria, mas escreveu sobre o que não viu. Fez
um relatório faccioso, tendencioso, parcial. Não ouviu ninguém do governo,
apenas opositores no exílio. Tal relatório foi amplamente saudado pela imprensa
internacional como "equilibrado". Atacava o governo de todas as formas
possíveis.
O outro relatório foi feito sob a coordenação do
experiente general sudanês, ex-presidente de seu país. A comissão formada era
oficial da Liga Árabe. Era integrada por 160 pessoas. Passaram trinta dias na
Síria. Visitaram várias cidades, ouviram oposicionistas e o governo. Não
constataram a violência que o mundo diz haver no país. Não atestaram o número
exorbitante de mortos que a imprensa ocidental divulga. Ao contrário. Constaram
sim milhares de mortos das forças regulares, do exército e da polícia.
Presenciaram milhões nas ruas em apoio ao governo do Dr. Bashar. Mas, como disse
Kissinger em recente artigo o governo é amado pelo povo, mas mesmo assim tem que
cair (sic). Esse foi o relatório que apontou a existência de 147 órgãos de
imprensa funcionando livremente na Síria.
Imediatamente, a Liga Árabe, que representa hoje
apenas as petro-monarquias do Golfo e os interesses da OTAN prontamente rejeitou
tal relatório, levando o seu presidente a renunciar aos trabalhos. De fato, dois
pesos e duas medidas. Só não vê quem não quer.
14. Os EUA vivem uma Indignação Seletiva
- Verdade.
Nunca a famosa frase de "um peso e duas medidas"
ficou tão claro e tão evidente como no momento atual da diplomacia
norte-americana com Barak Obama. Seus planejadores do Pentágono e do
Departamento de Estado são hoje mais ideólogos que planejadores. São seletivos
em suas análises, facciosos.
Colocam-se contra o Irã e seu programa nuclear
pacífico, mas nada falam sobre as duzentas ogivas nucleares que Israel possui.
Falam o tempo todo contra o "ditador" Bashar, mas não se pronunciam contra as
monarquias absolutistas, obscurantistas, fascistas e feudais do Golfo, por estes
serem seus aliados, amigos e pró-Israel. Pronunciaram-se contra a "repressão" na
Síria, mas calaram-se com o massacre dos xiitas no Bahrein. Falam contra o uso
das forças armadas sírias que defende o país, mas calam-se contra a invasão que
as forças armadas sauditas fizeram no Bahrein, sede da 5ª Frota dos EUA que
patrulha o Golfo Pérsico-Arábico. Abusam do direito de veto no CS/ONU em favor
de Israel, mas indignam-se contra um veto exercido dentro das regras previstas
na Carta das Nações usado pela China e pela Rússia.
15. Terroristas agem abertamente na Síria
- Verdade.
A grande imprensa apenas acusa o governo de matar
dezenas, centenas de cidadãos. No entanto, ela tem sido obrigada a noticiar mais
e mais atentados terroristas contra prédios públicos, oleodutos, gasodutos,
escolas e até mesmo hospitais. São feitos por mercenários contratados a peso de
ouro pelo obscuro Exército da Síria Livre. O objetivo desses ataques é quebrar a
infraestrutura do país e jogar a opinião pública contra o governo.
É preciso destacar que a ação desses grupos
mercenários conta com apoio e total suporte da OTAN que os treina e financia, a
partir de acampamentos na fronteira da Turquia. Estão envolvidos nessa operação
a CIA e o MI6 inglês, além, claro, como sempre, o Mossad de Israel. Isso não vem
surtindo efeito. Ao contrário. Pesquisas confiáveis de opinião mostram o grande
apoio da opinião pública ao governo.
Conclusões
Nunca tivemos dúvidas, desde o início do processo
da Revolução Árabe, que a Síria viveria uma situação distinta, particular. O
caráter de um governo se mede pelas tarefas que assume, pelos seus objetivos,
pela ação que pratica. Por isso nunca duvidamos do caráter antiimperialista,
popular e em defesa dos palestinos que o governo da família Assad sempre
expressaram.
Defendemos, tal qual as organizações sindicais,
populares e os partidos comunistas da Síria, reformas profundas no país,
ampliação das liberdades políticas e de organização. No entanto, não podemos
somar nossas vozes com grupos terroristas, mercenários à soldo do imperialismos
de todas as matizes, sejam eles norte-americano, inglês ou francês. Não bastasse
isso, já esta claro mais que provado por diversas fontes, a ampla aliança da Al
Qaeda com a OTAN. E somado a isso, os serviços secretos da CIA, MI6 e Mossad
israelense.
Somamos nossas vozes às do povo e do governo da
Síria, em seu projeto em defesa da soberania nacional e sua autodeterminação.
Não à ingerência estrangeira nos assuntos internos da Síria. Apoiamos e
defendemos o diálogo nacional. Apoiamos as eleições livres que ocorrerão no mês
que vem, sob nova e democrática constituição da República Árabe da Síria.
Ao que tudo indica, o jogo parece que vai
terminando. E com uma derrota fragorosa para as forças imperialistas e
sionistas. Para as forças que querem barrar o avanço da Revolução Árabe. A
Rússia e China estão resolutas em não apoiar qualquer intervenção externa na
Síria. Já chega de destruição de uma nação árabe. Não ficou pedra sobre pedra no
Iraque. Agora a mesma coisa na Líbia, antes o país de maio IDH de toda a África.
Sem falar na própria destruição do Afeganistão. Agora querem destruir e tomar a
síria, último bastião e pilar do verdadeiro nacionalismo e panarabismo, herdados
de Gamal Abdel Nasser. A oposição externa já perdeu as ilusões de apoios. Até
Sarkouzy já disse que não se ganha uma guerra de fora do país!
A OTAN não tem como intervir e já disse isso com
todas as letras. Resta-lhes apoiar os terroristas da rede Al Qaeda, financiada
pela CIA. A Turquia vai acabar tendo que retirar todo seu apoio aos mercenários
recrutados pelos dólares sauditas, a que ela vem chamando de Exército da Síria
"Livre" (Free Syrian Army - FSA em inglês). Vai ficando isolada e sem amigos no
OM.
O risco de um conflito regional no OM, que já foi
maior, deve estar sendo redimensionado pelos tais planejadores de Washington.
Não há como um conflito dessa natureza deixar de fora as capitais Tel Aviv, Riad
e Ancara. Um incêndio de razoáveis proporções.
O CS/ONU e a Liga Árabe (do Golfo...) não
conseguem mais executar a política estadunidense. Não pelo menos com antes, com
a desenvoltura anterior. Há resistências da Rússia e China e agora do Líbano,
Iraque, Argélia, do Irã e da própria Síria e do seu bravo povo. A Liga Árabe
acabou. Precisará ser, no futuro, recomposta ou outra organização surgirá. Hoje,
é palco para monarquias fascistas, feudais, como as da Arábia Saudita e do
Qatar.
O governo da Síria, sob o comando do seu jovem
presidente, o médico Bashar El Assad, segue no caminho da tentativa de
pacificação do país. Mais de 30 decretos, portarias e novas leis, editadas em
oito meses vão reformando o regime, o governo, o país, dando-lhes feições mais
modernas e democráticas. Avança o diálogo nacional com todas as organizações,
governamentais ou não, no rumo de eleições democráticas, nova constituição e
eleições presidenciais em 2013. Novos pactos, novas alianças, regionais e
internacionais, devem atender aos interesses dos sírios. Novos acordos
econômicos com países amigos, em especial Rússia e China, devem ser assinados em
breve.
Quero registrar meu profundo lamento a uma
esquerda que não consegue compreender a dimensão do que está em jogo naquela
região e insiste em somar suas forças, pequenas é verdade, às do império
estadunidense e seus lacaios, tentando derrubar o governo patriótico da
Síria.
Posso estar enganado, mas contas feitas pelo
imperialismo e sionismo, pela direita islâmica, o melhor mesmo talvez seja
melhor bater em retirada. Difícil prever em detalhes, mas é esse o cenário que
vislumbramos.
Fontes Pesquisadas e Citadas
Aisling Byrne. A realidade sempre mal contada na
mídia sobre a Síria do Asian Times Online, de 4 de janeiro de 2012;
Assad Frangiéh, em www.elmarada.com.br em
Editorial, O começo do fim. Agradeço ao Dr. Assad em particular por observações
na primeira versão deste trabalho.
Camila Carduz. Irã promete apoiar resistência
libanesa e palestina contra Israel. Prensa Latina.
Evguêni Satanóvski. Atual estratégia russa para o
Oriente Médio permite ao país salvar as aparências e ganhar tempo. Presidente do
Instituto de Estudos sobre o OM.
Michel Chossudovsky. Syria: NATO's next
"humanitarian" war? http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=29234
Pepe Escobar. Síria, a nova Líbia. Asia Times
Online.
Pepe Escobar. É que o Barein não é a Síria... http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/NB15Ak03.html
Robert Fisk, Bashar Al-Assad não cairá. Não, pelo
menos, agora. The Independent.
Sharmine Narwani. Veterano diplomata americano
questiona a narrativa sobre a Síria. Al-Akhbar, Beirute.
Thierry Meyssan. Fin de partie au Prouche-Orient.
Rede Voltaire Net. http://www.voltairenet.org/Fin-de-partie-au-Proche-Orient
Observação: os artigos traduzidos para o
português sem menção de páginas da Internet foram realizados pelo coletivo de
tradutores da Vila Vudu, a quem de público agradeço.
Autor: Lejeune Mirhan - Sociólogo, Professor,
Escritor e Arabista. Colunista de Oriente Médio do Portal da Fundação Maurício
Grabois (http://fmauriciograbois.org.br/portal/). Colaborador da Revista
Sociologia da Editora Escala. E-mail: lejeunemgxc@uol.com.br
Fonte: http://navalbrasil.com
http://www.iranews.com.br/noticias.php?codnoticia=7598
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