O que está por trás dos protestos islâmicos
19.09.2012
Os protestos islâmicos contra o filme norte-americano que satiriza Maomé espalharam-se por 20 países. De acordo com especialistas ouvidos pelo Vermelho, no entanto, o vídeo foi um gatilho diante de um latente sentimento antiamericano. E existiram indícios de que as manifestações estão sendo insufladas por razões políticas. Como pano de fundo, estariam as eleições presidenciais nos Estados Unidos, defendem.
O vídeo que parodia Maomé e denigre a imagem do Islã circula na internet, desde 11 de setembro. Teria sido produzido por um judeu norte-americano. Em menos de três dias, motivou a realização de massivos e articulados protestos e ataques a embaixadas, que resultaram em várias mortes, incluindo a do embaixador norte-americano na Líbia.
De acordo com o presidente da instituição El Marada no Brasil e especialista em assuntos do Oriente Médio, Assad Frangieh, a reação em cadeia ao filme suscita desconfianças. "A primeira análise que a gente vê é que se começa a questionar se foi só uma manifestação popular. Na minha opinião, existem correntes políticas que estão fomentando isso daí de forma mais intensa", avalia.
Ele compara as manifestações atuais àquelas ocorridas quando caricaturas de Maomé foram divulgada na Dinamarca. "As caricaturas demoraram semanas para movimentar a opinião pública. Agora, em menos de 24 horas, havia ataques coordenados às embaixadas", aponta.
Segundo ele, há indicio de que movimentos islâmicos radicais, que ganharam força a partir da chamada "primavera árabe", estão incentivando as manifestações. Frangieh diz que estes grupos receberam apoio de países como Estados Unidos e Israel para derrubar governos na região e, depois de alçados a uma determinada posição, fugiram ao controle de tais nações.
"Na Líbia, por exemplo, esses grupos foram intensamente incentivados a lutarem contra o ex-presidente Muamar Kadafi. Mas depois que você entrega armas e logística, ajuda esses grupos de todas as formas, você não consegue mais controlá-los. E esses grupos estão fomentando essas massas para ter uma reação muito mais violenta e evidente [ao vídeo]", analisa.
De acordo com ele, os protestos realizados nesta sexta no Líbano teria sido promovidos pelos mesmos grupos radicais que os EUA estariam apoiando na luta armada contra o governo da Síria. "Quando se fala que os EUA têm certa parcela de culpa, naturalmente têm, porque são esses grupos radicais que movimentam a rua e terminam tendo vida própria", diz, destacando que a manifestação popular tem razão em criticar o filme antimuçulmano, mas "está demasiadamente exacerbada".
Eleições nos EUA
Em outro plano, Frangieh relaciona os protestos às eleições norte-americanas e afirma não estranhar que os marqueteiros da campanha republicana tenham relação com os incidentes. Ele destaca que essa reação popular favorece o candidato republicano contra Obama, indo ao encontro do que Mitt Romney defende, que é um política mais dura dos EUA perante o resto do mundo e, em específico, contra os grupos do Oriente Médio.
"Quem lançou o filme soube claramente que provocaria essa reação, que ia ter manifestações violentas, fomentadas por grupos coordenados, de perfil fundamentalista, o que, de certa maneira, deixa Obama em saia justa, às vésperas da eleição. Então a gente não sabe se isso agora está sendo manobrado, ou se isso já foi planejado para chegar a esse ponto. O fato é que isso está desmoralizando a política externa do Obama e dá forças aos republicanos", opina.
"Então tem-se que desconfiar. Será que não é algo simplesmente para fazer mudar a política externa dos Estados Unidos? Ninguém pode achar que esse movimento é só insatisfação popular. Porque atrás dela há com certeza um pensamento maligno", afirma.
Claude Fahd Hajjar, vice-presidenta da Federação de Entidades Árabes da América (Fearab), também levanta a possibilidade de uma ligação entre a reação ao filme e as eleições norte-americanas. A pesquisadora de temas árabes avalia que o filme foi construído de forma a ratificar uma imagem falsa do Islã, construída após os ataques às torres gêmeas.
"Maldosamente, o vídeo reafirma a ideia de quer o 11 de setembro é fruto do mundo islâmico, que é pintado como o lado mau do mundo, com o objetivo de inflamar a situação nesses países", defende, lembrando a data em que foi divulgado.
Segundo ela, especula-se que o grupo político de Benjamin Netanyahu, que é favorável à candidatura de Mitt Romney - inclusive por conta de suas posturas a favor de uma intervenção no Irã - pudesse ter agido para viabilizar o lançamento do filme na internet no aniversário do ataque ao World Trade Center. A consequente reação ao vídeo prejudicaria, assim, Obama.
"Uma possibilidade é que se trate de uma jogada eleitoral para derrubar Obama, que tentava angariar apoio com a morte de Osama Bin Laden. Então é uma tentativa de dizer que ainda se pode inflamar [os muçulmanos] a qualquer tempo. É uma ameaça a Obama", analisa, lembrando que Romney subiu nas pesquisas ao colocar-se ao lado de Netanyahu e em favor de uma postura mais agressiva em relação ao Oriente Médio.
Barril de pólvora
Os dois estudiosos, assim como o libanês Kháled Mahassen, candidato a vereador de São Paulo pelo PCdoB, ressaltam que o vídeo funcionou como uma espécie de faísca que se propagou em um ambiente onde o sentimento antiamericano parece consolidado.
"O povo queria, na verdade, um motivo para se manifestar e o filme veio a calhar. A população foi às ruas expressar sua revolta contra o imperialismo norte-americano. Os EUA não têm respeito pela cultura de outros países. Querem exportar seu modo de vida, agredindo o islamismo, as culturas e crenças daquele povo", diz Kháled.
Claude concorda que há uma revolta geral no mundo muçulmano com o que ela chama de uma tentativa dos Estados Unidos e de Israel de instaurarem uma nova "Cruzada" nos países árabes. "Eles querem destruir os países árabes. A Primavera Árabe surge exatamente no momento em que a Palestina está reivindicando seu Estado. Então, para eles (EUA e Israel), quanto mais degradados os Estados árabes estiverem, menos apoio haverá à resistência".
Para Assad Frangieh, o sentimento antiamericano do mundo islâmico tem origem nas guerras do Iraque e do Afeganistão e na desconfiança sobre as relações incondicionais com Israel. "Existe um choque de cultura e uma briga por causa do imperialismo, a ocupação de terras e também há um choque social. Então havia os ingredientes todos lá e, por trás, atuaram os cozinheiros", concluiu.
Da Redação do Vermelho,
Joana Rozowykwiat
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