O Senado esbanja mais
25 de dezembro de 2011 | 3h 06
O Estado de S.Paulo
Na iniciativa privada, balanços maquiados são passíveis de processo. Na esfera pública, os Tribunais de Contas, órgãos de assessoria das câmaras legislativas, podem rejeitar os números apresentados pelos governantes de turno, multá-los pelas irregularidades identificadas e eventualmente pedir ao Ministério Público a abertura de inquéritos a respeito. Mas isso não deve tirar o sono do político José Sarney, pela quarta vez presidente do Senado. Ele sabe que nada lhe sucederá pelo fato de o balanço financeiro de 2011 da Casa - um documento de 12 páginas, encapadas por uma apelativa foto do oligarca ladeado por estudantes - desmentir o seu título autocongratulatório: Mais econômico, mais ágil e mais transparente.
Montado para mostrar a dedicação com que o senador zela pelo dinheiro do contribuinte, o material comemora a acentuada redução dos dispêndios com horas extras de sua legião de mais de 9 mil servidores (concursados, patrocinados ou terceirizados). Os R$ 37,8 milhões pagos a esse título em 2010 caíram para R$ 5,8 milhões este ano. Naturalmente, o texto não se deu ao trabalho de creditar a mudança ao noticiário sobre a rotina dos extravagantes pagamentos de horas extras na Casa, o que levou tardiamente à implantação do ponto eletrônico. O balanço esconde verdades muito mais inconvenientes para a imagem de administrador rigoroso e austero que Sarney tenta transmitir, decerto para apagar da memória da opinião pública o escândalo dos "atos secretos" que ele acobertava, revelados por este jornal em 2009.
Os fatos são acessíveis no Portal da Transparência da própria instituição (www.senado.gov.br/transparencia), que "tem por finalidade veicular dados e informações detalhados sobre a gestão administrativa e a execução orçamentária e financeira do Senado Federal, compreendendo, entre outros, os gastos efetuados por seus órgãos, inclusive os supervisionados, bem como suas unidades integrantes". Ali aparece o retrato da "economia" de que se gaba Sarney: até a semana passada a Casa já havia empenhado R$ 31 milhões a mais do que os R$ 2,939 bilhões desembolsados no exercício cheio de 2010. O orçamento do Senado para este ano é de R$ 3,3 bilhões (o mesmo montante irrealisticamente fixado para 2012, quando aos gastos "imexíveis" se somarem os da provável contratação de 246 outros funcionários concursados).
O inchaço crescente dos débitos da Casa decorre acima de tudo da sua enxundiosa folha de pagamento - R$ 2,76 bilhões, este ano. Para citar um dado, que deixaria de olhos arregalados um senador americano, europeu ou asiático, cada um dos nossos 81 senadores, em média, tem a seu dispor, sempre à custa do público, cerca de 80 funcionários. Pela reforma administrativa que Sarney prometeu implantar sob o impacto da crise de 2009, mas parece ter abandonado, o Senado poderia economizar algo como R$ 150 milhões por exercício. Isso seria possível, como recomendou a Fundação Getúlio Vargas naquele ano, cortando 30% dos mais de 3 mil terceirizados, entre outras providências. Mas Sarney já disse que "não se pode fazer economia com os mais pobres" - mesmo que estejam sobrando.
Até o último dia 14, as despesas do Senado com locação de mão de obra somaram R$ 62,8 milhões, tanto quanto em todo o ano passado. E falta pagar mais cerca de R$ 9 milhões por serviços prestados por terceiros. Para poupar uma parte da dinheirama, bastaria que o plenário aprovasse um projeto de resolução. Mas a tramitação da matéria está empacada na Comissão de Constituição e Justiça, por obra do poderoso lobby dos terceirizados e da complacente indiferença de muitos senadores. Afinal, não são eles que pagam a conta. Nesse clima, uma representação de terceirizados entregou na terça-feira a Sarney uma placa que há de ter enchido de orgulho o velho soba. "A família dos funcionários terceirizados do Senado Federal", diz o texto da homenagem, "agradece todo o apoio recebido do estimado presidente José Sarney durante o presente ano."
No fim do ano que vem, com certeza, tem mais.
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